segunda-feira, 15 de junho de 2015
Por Gerson Pinheiro de Souza (@gersonpi65)*

Em um país constituído, entre outros povos, por negros, brancos e indígenas e no qual a divisão socioeconômica de classes está intimamente ligada à cor da pele, é necessário levar em conta a dinâmica das relações interétnicas ao longo da história e melhor perceber os prejuízos daí resultantes, em desfavor das etnias discriminadas, para traçar caminhos rumo a um futuro mais equilibrado. No caso do Brasil, onde a população negra representa 50,7%, segundo o IBGE 2010, fica patente o desequilíbrio entre a contribuição desta para a construção da nação e o lugar que ocupa na sua estrutura socioeconômica.

Observando-se os indicadores socioeconômicos, percebe-se que negros não compõem a lista dos proprietários de terra, ganham menos para as mesmas funções, são submetidos às piores condições de vida e estão, praticamente, ausentes dos espaços de poder, quer sejam nos altos escalões do poder público, das instituições de ensino superior, das grandes empresas privadas.

De fato, não é possível buscar explicações para essas constatações sem recorrer aos motivos históricos que têm raízes no processo de formação do Estado brasileiro. Do ponto de vista institucional, os três séculos e meio de escravidão estavam fundamentados numa legislação vigente que reduzia o negro à condição de coisa, como a Lei das Terras de 1850 e a Reforma Couto Ferraz (Decreto nº 1.331/1854); uma promulgada no mesmo ano da lei Eusébio de Queiros (que proibiu o tráfico negreiro) e a outra logo após. Esse pacote já previa a abolição, que viria pela Lei Áurea de 1888.

Enquanto a Lei das Terras impedia outras formas de acesso à terra que não fosse a compra, a segunda estabelecia a obrigatoriedade e gratuidade da escola primária para crianças maiores de 07 anos, condicionando que as mesmas fossem não escravas e oriundas de família com algum recurso. Ora, se a Lei Áurea viria a retirar as crianças negras da condição de escravas, nada faria em relação à exigida posse de recursos. Por outro lado, soma-se a essa legislação restritiva outra medida que impedia a inclusão do negro recém-liberto no mercado de trabalho: o incentivo estatal à imigração de operários europeus. Sem direito a terra, educação e trabalho a população negra adentra ao século XX.

Seguiram-se cem anos de completo abandono pela legislação federal, nos quais os afro-brasileiros, submetidos aos crivos racial e social, buscaram em condições desfavoráveis um espaço de sobrevivência. Importante frisar que durante todo esse percurso os negros e outros defensores da 
Por Gerson Pinheiro de Souza (@gersonpi65)*

igualdade racial organizaram-se e acumularam uma série de conquistas. Mas foi somente em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã que o Estado brasileiro abriu caminho para o reconhecimento institucional da imensa dívida para com os afrodescendentes, reconhecendo e criando mecanismos legais para dar a esses o direito à terra onde vivem e viveram seus ancestrais.

Com o advento dos governos progressistas que teve início com a eleição de Lula em 2003 e fruto de acordos internacionais, a exemplo da Convenção de Durban, na África do Sul em 2001, outros instrumentos legais foram sendo conquistados, com destaque para o Estatuto da Igualdade Racial, e sendo concretizados no âmbito das políticas ou ações afirmativas. Destaca-se a implantação de cotas para ingresso nas Universidades Públicas Federais com posterior adesão de outras instituições de ensino superior, significando a abertura do caminho para o reconhecimento do direito dos negros à educação superior de qualidade.

Mesmo reconhecendo medidas inclusivas no âmbito do Plano Brasil Quilombola, faltavam medidas relacionadas à inclusão direta no mercado de trabalho. Nesse sentido é emblemático o passo dado pelo governo federal ao sancionar em 2014 a Lei Federal nº 12.990, que reserva vagas nos concursos públicos destinados ao provimento de cargos efetivos e empregos públicos no executivo federal. Antecedendo à sanção pela presidenta Dilma, várias unidades da federação, a exemplo do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Paraná já adotavam leis congêneres.

Considerando o percentual de 76,2% negros na população e a situação de muitos municípios com grande presença de afrodescendentes apresentarem os piores IDHMs (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) da federação, o estado do Maranhão tem urgência em adotar essas e outras medidas institucionais que venham a minimizar o peso dessas estatísticas sobre os afrodescendentes. Com direito à terra, educação e trabalho digno a população negra contribuirá melhor para o crescimento de um Maranhão de todos nós no século XXI.

* Gerson Pinheiro de Souza é geógrafo com formação pela UFMA e 

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