sexta-feira, 5 de maio de 2017
"A palavra "COISA" é um bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. "COISAS" do português.

Gramaticalmente, "COISA" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "COISIFICAR". E no Nordeste há "COISAR": Ô, seu "COISINHA", você já "COISOU" aquela coisa que eu mandei você "COISAR"?

Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem (menos o trem, que lá é chamado de "COISA"). A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a "COISA"!.

E, no Rio de Janeiro? Olha que "COISA" mais linda, mais cheia de graça... A garota de Ipanema era COISA de fechar o trânsito! Mas se ela voltar, se ela voltar, que "COISA" linda, que "COISA" louca.
COISAS de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.

COISA não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. COISA também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "COISA nenhuma" vira um monte de coisas... 

Mas a "COISA" tem história mesmo é na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, a coisa estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré: Prepare seu coração pras "COISAS" que eu vou contar..., e A Banda, de Chico Buarque: pra ver a banda passar, cantando "COISAS" de amor... Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva).
E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as COISAS: "COISA" linda, "COISA" que eu adoro!

Para Maria Bethânia, o diminutivo de COISA é uma questão de quantidade afinal, são tantas "COISINHAS" miúdas. E esse papo já tá qualquer "COISA". Já qualquer "COISA" doida dentro mexe... Essa COISA doida é um trecho da música "Qualquer COISA", de Caetano, que também canta: alguma "COISA" está fora da ordem! e o famoso hino a São Paulo: "alguma COISA acontece no meu coração"! 

Por essas e por outras, é preciso colocar cada COISA no devido lugar. Uma COISA de cada vez, é claro, afinal, uma COISA é uma COISA; outra COISA é outra COISA. E tal e COISA, e COISA e tal.

Um cara cheio de COISAS é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. Já uma cara cheio das COISAS, vive dando risada. Gente fina é outra COISA.

Para o pobre, a COISA está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra COISA nenhuma. Coisa-ruim é o capeta, o câncer, a hanseníase, a roubalheira no Brasil. Coisa boa é o Brad Pitt, Richard Gere, Tom Cruise. Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema! Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as COISAS, para serem usadas, por que então nós amamos tanto as COISAS e usamos tanto as pessoas?
Bote uma COISA na cabeça: as melhores COISAS da vida não são COISAS.

Há COISAS que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas mais. Mas, deixemos de "COISA", cuidemos da vida, senão chega a morte, ou "COISA" parecida... Mas, finalmente, muita atenção: em ano de eleição vai ter muita “coisa” para enganar o eleitor. Vamos ficar de olho nessas “coisas”. Não vendam o voto por qualquer “coisa”, porque o correto é dar valor às “coisas”.

Por isso, faça a COISA certa e não esqueça o grande mandamento:

"AMARÁS A DEUS SOBRE TODAS AS "COISAS"." 

Texto: 
Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Entenderam o espírito da COISA ?

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