segunda-feira, 22 de janeiro de 2018
Montesquieu, em seus pensamentos, ensinava: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que há, pois existem boas leis por toda a parte”. E Sólon, o filósofo grego, ao ser perguntado se outorgara aos atenienses as melhores, saiu-se com esta resposta: “dei-lhes as melhores leis que eles podiam aguentar”.

Uma quebra da ordem ronda os espaços nacionais, puxando a instabilidade social, sob uma teia de difamação, calúnia, troca de ofensas. Nosso acervo normativo parece não ser suportado por importantes segmentos da sociedade.

Fatos recentes escancaram as observações acima. Uma greve de policiais no Rio Grande do Norte foi considerada ilegal pela Justiça, com a determinação de “imediato” retorno ao trabalho das categorias nela envolvidas. Um desembargador chegou a ordenar que os comandantes das forças policiais prendessem os responsáveis “por incitar, defender ou provocar a paralisação”. A decisão deveria ser cumprida de imediato sob pena de uma multa diária de R$ 100 mil.

Nessa última quinta-feira, o sindicato dos metroviários de São Paulo deflagrou uma greve geral, tendo como motivo um protesto contra a privatização. Um desembargador do TRT decidiu que 80% da frota deveriam circular nos horários de pico e, em caso de descumprimento, estabeleceu multa diária de R$ 100 mil.

A planilha de multas determinadas pela Justiça tem se avolumado. Em 2014, os metroviários fizeram uma paralisação de 5 dias. A Promotoria de São Paulo pediu na época a aplicação de uma multa equivalente a 3,33% do salário mínimo dos grevistas. Houve, ainda, o pedido de bloqueio das contas bancárias do Sindicato dos Metroviários. Os pedidos não foram atendidos. Mas outras decisões do Judiciário no sentido de punir “greves abusivas” não têm sido cumpridas.

Os casos continuados de greves na administração pública e a ausência de cumprimento de decisões de juízes acabam corroendo a imagem do próprio Judiciário, que tem colecionado decisões que vão direto para o lixo.

A imagem de uma mulher de olhos vendados, carregando em uma mão a balança e em outra a espada, traduz a aplicação da justiça para todos. A balança significa o instrumento para “pesar” o direito de cada um e a espada é a ferramenta para defender o que é justo. O simbolismo expresso pela Deusa Têmis chama a atenção. Mas, quando se registram casos de desobediência civil – como esses que se multiplicam na onda crescente de greves de servidores públicos – a impressão é de que a deusa, além de cega, parece surda.

A par do descumprimento de decisões judiciais, emerge a impressão de que tem faltado aos integrantes do Poder Judiciário humildade, ou algumas virtudes que Bacon descreve em seus ensaios: “os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”. Nesse ciclo de elevado protagonismo dos juízes, vale lembrar a velha sentença de que devem se resguardar de inferências desmedidas, falando apenas nos autos, evitando as luzes fosforescente da mídia e a ânsia por visibilidade.

Outra abordagem que se faz sobre o Judiciário é a de que interfere nas funções de outros poderes, seja por meio de produção de normas seja por meio do confronto às prerrogativas do Poder Executivo. É compreensível que, em tempos de intenso litígio, envolvendo figuras centrais da política e dos negócios, haja acentuada demanda sobre o Judiciário, com sobrecarga de processos nas instâncias judiciais. Os casos sob a égide judicial, por sua vez, disparam ampla cobertura dos meios de comunicação. Floresce, assim, o jardim de vaidades.

Por último, lembremos esta lição de Bacon: “juiz deve preparar o caminho para uma justa sentença, como Deus costuma abrir seu caminho elevando os vales e abaixando montanhas”. Que a deusa Têmis faça bom uso da balança e da espada.

Por Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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