segunda-feira, 24 de junho de 2019
"Catirina que só quer Comer da língua do boi Carne seca na janela Quando alguém olha pra ela Pensa que lhe dão valor (“Catirina” – Josias Sobrinho)

De tanto aperrear o marido Francisco com seu desejo insano de grávida, a negra Catirina finalmente consegue comer a língua de Mimoso, o boi mais bonito da fazenda e preferido do Amo. Ao ser descoberto, Francisco é preso pelos vaqueiros e feiticeiros são chamados para ressuscitar o boi. Após ritual que envolve muitos personagens e para alegria de todos – principalmente de Catirina e Pai Francisco – o novilho volta à vida e tudo vira festa! 

O roteiro pertence a um dos autos mais tradicionais da cultura popular do Nordeste: o Bumba Meu Boi do Maranhão. Com sotaques (ritmos) diversos, os grupos cantam suas toadas (músicas) e embalam o vai e vem cadenciado das índias, caboclos de pena, vaqueiros, cazumbás que se vestem no período junino para mostrar a beleza dessa festa profano-religiosa de raízes indígena, negra e europeia 
Lá vem o boi urrando, subindo o vaquejador Deu um urro na porteira e o vaqueiro se espantou e o gado da fazenda, com isso, se alevantou: Urrou, urrou...! Urrou, urrou...! Meu novilho brasileiro qu’a natureza criou! (Coxinho – para Boi de Pindaré)

Deslumbrados com tantas cores, empolgados com tanto ritmo, os turistas que visitam o Maranhão em junho não aguentam apenas apreciar o espetáculo. O desejo de participar do auto é maior e, muitos, misturam-se aos brincantes para vivenciar a experiência ímpar.

Para muitos maranhenses, o São João é comparado ao carnaval carioca. Da mesma forma que as escolas de samba do Rio de Janeiro, os grupos de bumba meu boi passam um ano inteiro se preparando para a festa, que já começa em maio com as prévias juninas. A apresentação de novas toadas, o bordado do couro do boi, as indumentárias – tudo é feito com perfeição e esmero de quem traz no sangue as raízes do folguedo
Quando eu me lembro, Da minha bela mocidade. Eu tinha tudo a vontade, Brincando no boi de Axixá. Eu ficava com você, Naquela praia ensolarada, E a tua pele bronzeada, Eu começava a contemplar. Mas é que o vento buliçoso balançava teus cabelos, E eu ficava com ciúme do perfume ele tirar. Mas quando o banzeiro quebrava, Teu lindo rosto molhava, E a gente se rolava na areia do mar. (Donato Alves – para Boi de Axixá)
Atualmente, os grupos suprimiram a dramatização nas apresentações ao público durante o São João.
Preservaram nas toadas a sequência da apresentação que seria teatralizada e que compreende: o Guarnicê – quando o Amo do boi chama o grupo para começar a apresentação; o Lá vai – aviso de que a brincadeira está se dirigindo ao local da apresentação; a Licença – permissão para que o grupo se apresente ao público; a Saudação – quando são cantadas toadas de louvação ao dono da casa e ao boi; o Urrou – momento que celebra a alegria de todos pelo restabelecimento do boi depois de ter sido sacrificado e a Despedida – quando a brincadeira é encerrada; 
Meu São João... Meu São João, meu São João... Eu vim pagar a promessa De trazer esse boizinho Para alegrar sua festa Olhos de papel de seda Com uma estrela na testa... Meu São João... (“Boi da Lua” – César Teixeira)

No Maranhão, as brincadeiras do período junino homenageiam Santo Antônio (13), São João (24), São Pedro (29) e São Maçal (30) – os dois últimos, em particular, são especiais para os brincantes de Bumba Meu Boi e amantes das toadas. São dias esperados com ansiedade, quando todos os grupos se encontram em São Luís, respectivamente, no Largo da Igreja de São Pedro – no bairro da Madre Deus (um dos redutos culturais da cidade) e na antiga Avenida João Pessoa, rebatizada de São Maçal, no bairro do João Paulo. Milhares de pessoas amanhecem brincando Bumba Meu Boi em louvor aos dois santos.

Além da capital São Luís, outros municípios são conhecidos como centros do bumba- meu-boi no Maranhão: São José de Ribamar, Paço do Lumiar, Rosário, Morros, Axixá, Guimarães, Pindaré, Cururupu, Viana, São João Batista e outros.

As personagens
Lua, lua cheia Que nasce nos meio das águas, Que brilha na Ponta d’Areia Que finge morrer e desmaia Nos braços de uma sereia. Alumeia o meu amor Que vem nas ondas do mar Incendiou meu coração Pra eu não chorar (Godão e Bulcão – para Boizinho Barrica)
A brincadeira do Bumba Meu Boi apresenta um conjunto de personagens que pode variar segundo o sotaque aos quais os grupos pertencem – o sotaque também determina a variação na indumentária. Mas, em geral, os grupos apresentam as seguintes personagens: 

 • O boi: figura central da brincadeira feito de madeira de buriti, cujo couro é bordado com miçangas
e canutilhos;
• O amo: que personifica o dono da fazenda, podendo acumular a função de cantador;
• Os vaqueiros: grupo que forma o cordão, juntamente com o boi, exceto nos sotaques de orquestra
e zabumba;
• As índias: que trajam indumentária confeccionada com penas e cocares – a exceção do sotaque de
zabumba, cuja indumentária é confeccionada com
fios de saco de náilon.

Os Sotaques 
Maranhão, meu tesouro, meu torrão Fiz esta toada, pra ti Maranhão Maranhão, meu tesouro, meu torrão Eu fiz esta toada, pra ti Maranhão (Humberto do Maracanã – para Boi de Maracanã) – Sotaque da Ilha ou Matraca: Característico da ilha de São Luís, com predominância das matracas e pandeirões. Boi da Maioba, Maracanã e Ribamar são alguns dos mais fortes representantes desse sotaque e são os chamados de “batalhões pesados”.
Sotaque de Pindaré ou Pandeirão: Ocorre na região do Vale do Pindaré, nos municípios de Viana, São João Batista e Pindaré. Também usa pandeiros (menores que os utilizados pelos bois da ilha) e matracas. Seu ritmo é mais lento.

Sotaque de Zabumba: O nome decorre das zabumbas (tambores) que são utilizadas na brincadeira.
Para alguns pesquisadores, este é o mais original de todos os bois. Destacam-se no grupo o Boi de Lauro, Boi de Leonardo e de Antero.

Sotaque de Orquestra: Usa instrumentos de sopro como saxofones, clarinetas, flautas e banjos. Valorizam as coreografias. Os bois de Axixá, Morros e Rosário são os que melhor representam este sotaque.

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