segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Do nada, senti vontade de comer um prato de Mocotó com muita pimenta e limão. A vontade veio temperada com aquela fome tão comum que chega antes da hora do almoço e nos deixa meio zonzos.

Nos minutos que antecedem o almoço, você é capaz das maiores loucuras: sonha com comidas impossíveis, compra alguma coisinha não nutritiva por impulso, mete o pé na jaca e desconstrói a dieta, mas quer de todas as formas minimizar o ronco do estômago. 

E foi assim que no lugar do computador que estava à minha frente, passei a enxergar um prato gigante de mocotó... 

E antes daqueles que não gostam da iguaria tamparem as narinas, reconheço: não é uma comida fácil! Imagina pensar que buchos, tripas e todos os “fatos” do boi podem ser consumidos cozidos? Claro que não! 

É preciso muito delírio e muita fome para imaginar que algo assim e com o cheiro tão forte possa ficar palatável. 

A bem da verdade, quando foi inventado, não tinha a obrigação de ser uma comida gostosa, era mesmo pra matar a forme de muitos que não tinham dinheiro para comer as partes “nobres” do boi. 

E como é sempre em momentos de muita privação que surgem ideias ótimas, o mocotó surgiu para alegria de uns, para matar a fome de alguns e para o bico torcido de tantos outros. 

O mocotó foi ficando gostoso (para os que gostam, é claro) com o tempo. Não foi de uma hora para outra, e sim, com a inclusão de muitos temperos e o aprimoramento das técnicas de
cocção. 

Fiquei saboreando virtualmente um prato de mocotó fumegante, repousado em uma mesinha de um botequim qualquer sobre uma toalha de plástico com estampinhas singelas, ao lado de uma cumbuca de farinha d’água bem amarelinha e um pires com pimenta, daquelas que você espreme com a colher no próprio prato, compondo uma sinfonia perfeita...

Esse cenário, que mais parece um quadro, traduz de forma fidedigna os moldes alimentares da minha gente, porque não só de peixes, mariscos e frutos do mar vive a capital maranhense.

O mocotó, assim como várias outras comidas sertanejas, possuem muitos amantes em São Luís, embora não seja um exemplo de saúde e nutrição. Juntamente com um prato de farinha, o mocotó forma uma argamassa capaz de permanecer dentro de nós por semanas. 

A gordura que fica em nossos órgãos vitais é tanta, que basta deixar o prato de mocotó por 15 minutos ao vento para ver a gordura congelando e ficando espessa como um toucinho. 

Sempre que comia em São Luís, usava a estratégia de lavar o prato logo depois de comer ou mesmo de não ver os pratos empilhados na pia, para não ter que comprovar a irracionalidade que tinha acabado de fazer, vendo as crostas de gordura nas bordas dos pratos. 

Não, definitivamente, não é uma comida fácil de gostar. 

Quem gosta, ama.

Quem não gosta, odeia. 

É preciso ter estômago. É preciso ter nascido em uma casa que tem no prato, um dos seus pontos fortes. 

É para poucos e para os ousados, gastronomicamente falando... Mas quem liga para as regras de uma dieta ou para a tal racionalidade, estando há 3000 km de distância de um prato de mocotó da mãe? E se tiver uma cervejinha gelada para acompanhar? Melhor ainda!


Texto Originalmente publicado na Edição Nº 103 abril 2013 do Jornal Cazumbá 

0 comentários:

Postar um comentário