segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Tudo começou quando fui tentar ensinar como se faz beiju, iguaria conhecida no Sudeste como tapioca.

Bastou precisar de um “crivo” para saber que não falava a mesma língua dos paulistanos. Crivo para nós, é peneira em São Paulo. Assim como o crivo tem um codinome diferente, inúmeras palavras também tem.

Outro dia comentei que uma senhora estava com os cabelos assanhados e ninguém entendeu, como se “se assanhar” não representasse algo fora “do normal”; apontei uma osga e saí correndo de medo e de novo, o povo achou que eu tinha enlouquecido, porque ninguém conseguiu ver nada além de uma lagartixa se escondendo de mim.

Uma glândula é algo inexplicável. Não sabem o que é! Marocar a vida do povo é fofocar, mas convenhamos, fofocar é muito universal, muito corriqueiro. Marocar dá um tom piadista pra frase, não dá? Vem desse termo o nome próprio “Maroca”, pessoa normalmente perto da terceira idade que “dá conta” da vida de toda uma rua ou família, por exemplo.

O verbo “ferir”, palavra forte, geralmente associada a dores de amor, arrogância ou ferimentos também não é muito usual. O termo “machucar” substitui bem e falar “me feri” causa espanto!

Um país com dimensões continentais não poderia deixar de ter essas dualidades e dicotomias. A vida é feita de comparações e o diferente é motivo de discussões, reflexões e análises psicossociais.

Isso sem falar do sotaque, que é uma bandeira que carrego em todos os lugares. Basta dar “bom dia” que todos perguntam de onde sou. Basta falar qualquer palavra com o meu “r” que a seta de nordestina aparece feito neon em cima da minha cabeça.

As diferenças não são sutis e nem o preconceito. Percebe-se em tudo e em todos.

Quando criança, lembro bem da professora falando sobre as diferenças do Brasil e explicando que isso era lindo e que compunha um país diferente e plural. Aprendi assim. Cresci enxergando o mundo assim!

Uma amiga do Piauí falou do nosso “olhar” e mal pude enxergar a importância disso para o ludovicense. Depois de muitos exemplos, fui perceber que falamos o verbo “olhar” com a mesma facilidade que falamos um simples “oi”. Vejamos:

Situação 01:
– Joãozinho, tu tens olhado Mariazinha?
– Ah, olhei por esses dias andando na Rua
Grande.

Situação 02:
– Menina, tu nem sabes com quem olhei Joãozinho?
– Com quem?

E assim vamos usando o verbo “olhar” para tudo e esquecendo o verbo “ver” para diversificar o vocabulário, coisa muito diferente no resto do país.

“Olhar” e “ver” são verbos similares, mas não são iguais. Olhar tem uma conotação mais profunda, remete a olhar dentro dos olhos, olhar na alma e enxergar o melhor de tudo e de todos. Ver é verificar alguma coisa de forma superficial e você muitas vezes vê, mas não enxerga!

São Paulo é a maior cidade da América Latina e cercada de superlativos. São Luís é a capital do estado mais pobre do país e também usa um superlativo para se destacar no cenário nacional. Ambas com extremos.

Talvez quem sempre “olha” para as coisas veja o mundo com outros olhos e quem muito vê não enxergue a beleza e as diferenças que fazem do Brasil o país mais encantador do mundo.

Vou continuar “olhando” o mundo por muito tempo ainda...

Até a próxima.

Texto Originalmente publicado na Edição N° 76 agosto a setembro 2010 do Jornal Cazumbá

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