segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Por Antonio Noberto, 

*Turismólogo e membro-fundador da Academia Ludovicense de Letras - ALL


“Tudo o que eu quiser, o Cara lá de cima vai me dar”. A frase, pronunciada pela “Rainha dos baixinhos”, referindo-se a Jesus Cristo, provocou muitos comentários à época, não só pelo jeito adolescente de ser, como também pela essência da mesma. Nela encontramos uma tônica disseminada no meio religioso nos últimos tempos, de uma fé imatura pautada na cultura consumista, que obedece muito mais a interesses imediatistas que ao Evangelho. Ao contrário do que se observa na Oração do Pai Nosso, que diz: “Seja feita a Vossa vontade”, Xuxa Meneghel, por outro lado, dando eco ao que é recorrente no seio de muitas igrejas, principalmente, evangélicas, enfatiza a cultura do “seja feita a minha vontade”, – “Tudo o que eu quiser, o Cara lá de cima vai me dar”. Uma tragédia para a religião sadia e desinteressada.

A frase da Xuxa veio a ocupar mais uma vez a nossa mente por ocasião da III Feira do livro de São Luís, realizada em novembro último. O autor deste texto apresentava a cidade a um amigo de São Paulo que o visitava e conhecia o Maranhão. Enquanto este tirava algumas fotos da bela paisagem ofertada pelo Rio Anil, a partir da Praça Gonçalves Dias, no Largo dos amores, nós, à sombra das árvores, rodeados por diversos estudantes adolescentes, entre treze e dezessete anos, ouvimos a “pérola” pronunciada por uma das jovens, que apontava para a estátua altaneira do maior dos poetas, Gonçalves Dias: “Achei massa aquele cara lá de cima”. Após breve interrogatório percebemos que nenhum dos estudantes sabia quem era o “Cara lá de cima”, desconheciam quem aquela estátua homenageava. Um ligeiro bate papo descontraído foi o suficiente para desfazer o mico instalado e deixar a galera a par do escritor. O que parece apenas cômico é, na verdade, muito trágico, algo inadmissível do ponto de vista escolar e cultural. Se apenas uma adolescente desconhecesse a estátua e a Praça Gonçalves Dias seria compreensível, mas todo o grupo estar alheio ao maior dos poetas é algo que realmente preocupa. Para os que depositam a esperança nas novas gerações, aí nem se fala, é o caos absoluto, a desesperança sem indulgência.

Recentemente foi divulgada pesquisa que coloca nosso estado na última colocação no ranking dos que tem acesso à internet, e olha que já estávamos na rabeira da educação. A Feira do Livro, por seu turno, tem importância vital para diminuir o abismo que nos separa do conhecimento. Que pena que estamos apenas na terceira edição do evento, enquanto cidades como São Borja, por exemplo, com pouco mais de cem mil habitantes, já soma trinta Feiras – e mais de dez museus. Mas o importante é que largamos rumo à educação. E com tantos entraves regionais ao aprendizado resta-nos sonhar com uma pauta menos penosa ao conhecimento, e que “O Cara lá de cima” – não o Gonçalves Dias, mas Deus – nos proteja e nos ajude a minorar nossa ignorância, a final, “Tudo o que eu quiser...”.

Amém!

Texto Originalmente publicado na Edição N° 68 dezembro 2009 do Jornal Cazumbá

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