quarta-feira, 28 de outubro de 2020

SÃO LUÍS - O arqueólogo e professor do departamento de Oceanografia e Limnologia da UFMA, Arkley Marques Bandeira, é um dos pesquisadores de um grupo internacional que teve os resultados de suas pesquisas realizadas em sítios arqueológicos do Maranhão e da região amazônica brasileira, publicados em uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo, a Nature Scientific Reports.

Intitulada Stable isotope evidence for dietary diversification in the pre-Columbian Amazon (Evidência de isótopos estáveis para diversificação alimentar na Amazônia pré-colombiana), a pesquisa vem avançando no conhecimento acerca das dietas, dos hábitos alimentares e do modo de vida de populações humanas que viveram em São Luís, no período de 1.800 a 1.000 anos atrás.

Nesse estudo foram utilizadas amostras de esqueletos escavadas em três sítios arqueológicos na Grande São Luís, situados em diferentes áreas como a região do Parque Estadual do Bacanga, Panaquatira, em São José de Ribamar e Iguaíba, em Paço do Lumiar. O método utilizado para aferir as informações foi a análise isotópica estável de carbono e nitrogênio do colágeno ósseo obtidos das amostras dos esqueletos em contextos funerários.

Segundo o professor Arkley Marques Bandeira, do departamento de Oceanografia e Limnologia e dos mestrados PGCult e PRODEMA da UFMA, o estudo coroa mais de quinze anos de pesquisas arqueológicas conduzidas na Grande Ilha, nas quais foram reconstruídos mais de sete mil anos de história.

“Já tínhamos conhecimento de como essas populações viviam, onde viviam, que objetos fabricavam e os motivos do seu desaparecimento. Ao longo de sete milênios, muitos povos habitaram distintas regiões da Ilha de São Luís antes da chegada dos colonizadores europeus. Estas antigas aldeias estão identificadas e protegidas por lei federal do patrimônio arqueológico brasileiro e são essenciais para a compreensão do passado em sua longa duração. Muitas lacunas precisavam ser preenchidas, sobretudo, a caracterização de quem eram esses povos, o que comiam, se caçavam, pescavam ou vivia de cultivo de plantas”, explicou Arkley.

Após esses estudos, que contou com a colaboração de cientistas de várias áreas do conhecimento, essas informações foram descobertas. De acordo com Andre Carlo Colonese, do BioArCh, vinculado ao departamento de Arqueologia da Universidade de York e da Universitat Autònoma de Barcelona, os resultados revelaram estratégias de subsistência distintas daquelas que se conheciam na literatura arqueológica, que associava os povos costeiros amazônicos ao intenso consumo de recursos aquáticos, como peixes e frutos do mar. “Pelo contrário, demonstramos que as populações que viviam na Ilha de São Luís, entre 1.800 e 1.000 anos atrás estavam consumindo, predominantemente, mamíferos terrestres e plantas, complementados com recursos aquáticos, como os peixes”, destacou.

O professo Arkley ressaltou que a pesquisa propõe, então, novas evidências da dieta alimentar, quando o que se imaginava era que os povos que viviam muito próximos à praia, viviam da pesca e da coleta. “Esta antiga dedução agora é repensada com base na nova evidência científica, que coloca um modelo de décadas em análise. No caso em questão, obtivemos informações quantitativas sobre distintas categorias de alimentos e o manejo de sistemas agroflorestais de policultura, que estavam atendendo às necessidades calóricas e proteicas das populações tardias do litoral maranhense”, afirmou.

Além das informações inéditas apresentadas, o estudo se reverte de extrema importância, pois restos humanos pré-colombianos são raros na bacia amazônica e os resultados obtidos, até o momento, oferecem informações mais robustas e cronologicamente seguras sobre dietas individuais na planície pré-colombiana da Amazônia.

Ao pesquisar, foi levantado o seguinte questionamento: “Quais os alimentos eram consumidos pelos povos do passado?”

As pesquisas arqueológicas indicavam que os povos que viviam na Grande São Luís se alimentavam basicamente de peixes, frutos do mar e pequenos mamíferos, pois restos de ossos, conchas e coquinhos eram sempre encontrados nas escavações. “A dedução era que se eles estavam morando na praia, consumiam recursos da praia. Mas se pensarmos a região há quase 2 mil anos atrás, as florestas eram mais verdes, os rios bem maiores e a disponibilidade de animais de médio e grande porte para a caça era bem maior do que hoje”, pontuou Arkley.

Dentre os alimentos identificados, essas populações comiam de tudo, como mandioca, macaxeira e milho, caçavam diferentes mamíferos, como paca, preá, cutia e veado-mato e pescavam bagres, pequenos tubarões, baiacu e outros peixes dos estuários da Ilha de São Luís. “O mais importante foi saber que os mamíferos terrestres foram a principal fonte de proteína dietética, seguida do pescado, fato que contribui consideravelmente com o quebra-cabeça que é construir a nossa história mais antiga, antes mesmo de São Luís ser o que é”, afirmou.

Com a pesquisa, Arkley falou ter sido possível desconstruir a ideia de que a principal fonte de proteína das populações que moram no litoral advinham dos pescados, como era apresentado no modelo vigente da arqueologia brasileira.

“A gente tem pelo menos um período da história mais antiga da Ilha de São Luís. Por volta de 1.500 anos, a principal fonte de proteína das populações que estavam vivendo nas regiões praiais, vinha de animais silvestres, então, eles estavam caçando. Também havia a pesca, mas ela entra com uma dieta complementar de proteína, além da obtenção de outras fontes de nutrientes de vegetais”, contou.

Para o pesquisador, eram populações muito mais generalista, do ponto de vista da obtenção de seus recursos alimentares, do que uma população de dieta especializada, como era os sambaquieiros, que são populações mais antigas e que viviam da exploração de recursos costeiros.

O próximo passo, segundo Arkley, é ampliar esse enfoque regional e garantir a consolidação desses dados. “Trabalhamos com três sítios arqueológicos e temos material esqueletal humano de outro sítio arqueológico que descobrimos, somando dois esqueletos para amostra. Assim, a ideia é ampliar essa base de referência para outros sítios da Ilha e, futuramente, do Estado. Esse é um avanço significativo no estudo de dietas na pré-história, especialmente, porque é muito raro encontrar esqueleto em área tropical, como é o caso de São Luís e o norte do Brasil. Por causa disso, temos uma informação privilegiada por encontrar esse material esqueletal aqui”, finalizou.

Informação: UFMA  

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