terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Poucas invenções foram capazes de impactar de maneira tão profunda a realidade humana quanto a imprensa. Os chineses já a utilizavam no final do primeiro milênio depois de Cristo. Os caracteres eram feitos de argila cozida e deram aos chineses os primeiros livros, o que lhes permitiu criar uma classe de pessoas mais bem-educadas que, posteriormente, formaram a classe de funcionários públicos do império da dinastia Song, no sul da China.

No século XV, o alemão Johannes Gutenberg criou a primeira imprensa no mundo ocidental, invento que foi aperfeiçoado ao longo dos anos, inspirado pelas velhas prensas de uva e azeitona. A recriação do tipo móvel, cujas letras eram fundidas em chumbo, revolucionou o mundo ocidental permitindo a livre circulação do conhecimento e de ideias.

Essa invenção aparentemente simples tornou-se o esteio das liberdades democráticas. É a imprensa a Antígona moderna a guiar cegos édipos, quando ancorada na mesma intenção da heroína grega. Ao seu lado, como acessório indispensável, a liberdade. Inconcebível a separação desse combo.

O autor de O mito de Sísifo, Albert Camus, disse: “Uma imprensa livre pode, é claro, ser boa ou ruim, mas, certamente sem liberdade, a imprensa sempre será ruim”. E acrescentaria, como é óbvio concluir: sem a liberdade, a imprensa serve a forças opressoras que calam as vozes e o pensamento discordante. A imprensa livre é, por assim dizer, o anticorpo para uma sociedade democrática.

Em terras gonçalvinas, o primeiro registro de um jornal maranhense autóctone impresso ocorreu em 31 de outubro de 1821 e recebeu o nome O Conciliador do Maranhão – meses antes, ele já tinha circulado, em formato manuscrito, com primeira edição vindo a lume em 15 de abril desse mesmo ano. Desde então, a própria história do estado pôde ser lida em suas entranhas, com base nos inúmeros jornais que advieram ao longo desses dois séculos. Aliás, nesses dois centenários dessa importante criação, o Maranhão foi pródigo em boas histórias envolvendo comunicadores, escritores, jornalistas, cronistas e articulistas.

Não poderia deixar de mencionar os preciosos registros para a história da inteligência no Maranhão deixados por Correia de Frias, dono de uma das primeiras editoras do estado, em seu livro Memória sobre a tipografia maranhense, publicado em 1866. Ao avançar sobre o trabalho das tipografias do Maranhão no século XIX, fala sobre as edições dos primeiros livros, assim como resgata o trabalho de jornalistas e linotipistas de jornais e editoras. Esses fiéis escudeiros, que madrugavam sobre os tipos e o veneno desprendido dos lubrificantes, muitas vezes encurtaram os cursos de suas vidas anônimas e obscuras, acometidos de doenças nos pulmões.

Na rica trajetória da imprensa maranhense, é mister destacar o caráter aguerrido daqueles que, empunhando a pena como arma, denunciaram séries de desmandos políticos, a despeito do risco da própria vida. Coragem e altivez em forma de palavras são o ingrediente mais consistente da herança que recebemos. Se hoje fazemos parte de um Maranhão mais esclarecido, devemos àqueles que estiveram prontos para mostrar que um filho nosso não foge à luta.

Invoco a memória de um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras, da qual orgulhosamente faço parte, o escritor e jornalista Antônio Lobo, que não resistiu aos ataques covardes dos quais foi vítima e cometeu suicídio. Presto ainda minhas reverências às memórias de Estevão Rafael de Carvalho, Vicente Lavor Papagaio, Cândido Mendes, Nascimento Moraes, Paulo Nascimento Moraes, José Chagas, Vilela de Abreu, Othelino Nova Alves, Erasmo Dias, José Louzeiro, José Ribamar Bogéa e tantos outros que enfrentaram amarga e injusta oposição. Alguns destes pagaram com a própria vida o preço da bravura, mas não abriram mão de suas convicções e de seus ideais.

Um breve olhar ao passado, e eis que nos deparamos com o que pode ser considerado ainda como o primeiro caso de perseguição a um jornalista em solo maranhense: a expulsão de Garcia de Abranches do Maranhão, em 1825, por sua sistemática oposição ao presidente interino Teles Lobo, e ao Almirante Cochrane. Temos, aqui mesmo neste torrão, uma amostra das agruras enfrentadas por profissionais da comunicação, escrita em qualquer área do globo.

Os capítulos dessa história também são marcados por páginas de alegria e superação. Lanço mão do ineditismo de Odorico Mendes, primeiro maranhense a criar um jornal; a altivez de Cândido Mendes – que chegou a enfrentar a oposição e ameaças do filho de Ana Jansen – e diversas peças de resistência por meio da criação de associações específicas que objetivavam a defesa da classe.

E, como era de se esperar de uma terra que tem palmeiras nas quais canta o sabiá, a forte vocação literária se espraiou nas páginas de nossos diários. Por todos, a digna iniciativa de Sotero dos Reis, que inaugurou o estilo nos jornais da época, no século XIX. Além de fazer discípulos no ramo do jornalismo literário, atraiu romancistas para compartilhar com nossos leitores a lavra desse estilo, fomentando novas gerações de escritores e formando o público leitor.

Para além da essência, na forma, o Maranhão também fez história, com produções gráficas caprichosamente trabalhadas e ricamente ilustradas, a exemplo da Revista Elegante e da Revista do Norte e os matutinos que circulavam diariamente pela capital e interior do estado, que apostavam em gráficos, tabelas e fotografias para atrair a atenção do assinante. Outras gerações de comunicadores vieram, fiéis à tradição de excelência. Entre os vivos, um jornalista que ocupou o mais alto cargo do país, José Sarney, sempre declara orgulho de pertencer à classe. Américo Azevedo, meu amigo e confrade, muito contribuiu com as páginas de crônicas dos matutinos locais.

Senhoras e senhores,

Já dista algum tempo que perdemos o hábito de receber nossas publicações preferidas na porta de nossas casas nas primeiras horas da manhã, ou mesmo comprá-las nas bancas de revistas. O registro de um fato marcante, a cobertura de um crime que chocou a sociedade, a tão sonhada publicação da lista dos aprovados do antigo vestibular, o cotidiano das decisões políticas, os detalhes do jogo de nosso time com riqueza de detalhes e fotografias, a crônica do articulista que traduz nossos pensamentos e forma de enxergar o mundo. Ainda lembro, principalmente no centro de São Luís, o aglomerado de bancas e o hábito das pessoas de nelas se abastecerem logo após o raiar do dia.

O tempo passou, trazendo novas e diversas formas de acesso à informação. Já não precisamos sair em busca da notícia, ei-la disponível na palma da mão. Mas a indispensabilidade da imprensa continua atual e, se fiz alusão aos impressos, reconheço também a importância da imprensa falada, televisionada e aquela praticada por meio da cornucópia das mídias sociais, sites e blogs, tudo isso constituindo estuário e desdobramento da imprensa, agora atingindo a fase digital. As profundas alterações no acesso à informação dos últimos tempos não excluem nem minimizam a importância do profissional do texto jornalístico, muito pelo contrário, pois tem ele mais visibilidade, e, pela exigência do público, pela redação mais sintética e objetiva. A própria televisão já vem hospedando esse jornalismo há 70 anos.

O registro fidedigno do cotidiano, a abordagem mais completa dos fatos, a crítica responsável e a objetividade tão propaladas nas academias como tempero indispensável à apuração dos fatos são princípios necessários ao bom exercício noticioso, seja qual for a plataforma que se acessa.

É a imprensa a força motriz do pensamento nutrido por vários pontos de referência, o que é absolutamente necessário para a boa educação, à formação consistente. Por isso mesmo, devemos estar vigilantes, pois é sabido que, antes, a nossa escolha nos conduzia às leituras e, hoje, são os algoritmos sofisticados, extraídos do registro da frequência de nossas leituras, responsáveis por criar bolhas de informação cujos conteúdos são, em geral, os mesmos, gerando o risco de formar pensamentos cristalizados e repetitivos.

As sandálias aladas que conduziam Hermes de um ponto a outro do planeta são as mesmas que calçam a imprensa, quase onipresente neste mundo, no qual as fronteiras entre emissor e receptor foram rompidas, como tão bem profetizou Mcluhan: “Quando penso que estou em determinado lugar, já mudaram as fronteiras”.

A Universidade Federal do Maranhão muito se orgulha não apenas de comemorar esse marco fundamental de nossa história intelectual, por meio da qual demonstra sua gratidão e seu respeito pelos que nos antecederam nesta senda, mas também porque inspiraram, e continuam a influenciar, a formação acadêmica na seara da comunicação social. A UFMA abriga rico e diversificado panteão de cursos que formam comunicadores nas mais diversas especialidades, como Jornalismo, Relações Públicas, Rádio e TV, que daqui saem com o cabedal necessário para o correto trato da informação, ciosos de seu compromisso coletivo com o tratamento responsável dos fatos.

De nossos bancos já saíram – e sairão – diversos nomes que engrandecem a imprensa maranhense e são referenciais para um mundo no qual a informação bem urdida e corretamente apurada é cada vez mais mercadoria de inestimável valor. O bicentenário da imprensa maranhense, comemorado em diversas ações ao longo deste ano, é uma iniciativa que muito nos orgulha, porque celebra um dos momentos luminosos de nossa vida cultural.

Queremos expressar nossa gratidão aos profissionais envolvidos nessa tarefa, por meio da pesquisa árdua e dedicada, a partir da qual se eternizaram memórias e se fincaram as bases de luminares para as próximas gerações. A Universidade Federal do Maranhão, em associação com a Fundação Josué Montello, Emap, Vale e Secretaria de Educação do Estado do Maranhão por meio do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IEMA –, reuniram esforços para celebrar esses 200 anos. Juntas, essas instituições efetivaram um conjunto de iniciativas, como a criação de um Podcast em cinco episódios, uma Web Story, uma Longform e um videodocumentário, que registram para a eternidade os principais aspectos dessa aventura bicentenária – seus fatos, seus personagens, suas curiosidades, seus momentos heroicos.

E o encerramento deste conjunto de iniciativas comemorativas não poderia ser mais significativo, com a entrega da “Comenda dos 200 anos de Fundação da Imprensa no Maranhão” a cinquenta personalidades que contribuíram, contribuem e ainda contribuirão, por longos anos, para essa belíssima história.

No relato bíblico, no qual Deus comissionou Moisés a falar com o Faraó Ramsés, para que libertasse da escravidão o povo hebreu, o profeta retrucou que não sabia falar. Ele não possuía o dom da comunicação, ao que o Criador o repreendeu, e instituiu Arão porta-voz das notícias trágicas que se abateriam sobre o mundo da época, até que a missão fosse então cumprida. O encargo foi desempenhado fielmente, e dele extraímos a lição: como Arão, a imprensa cumpre o papel de prenunciar o futuro, registrar o passado e ser indispensável ao presente.

Viva a imprensa maranhense! Que outros centenários lhe sejam venturosos!

Informação: UFMA  

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