quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022


A China, origem da pandemia que assola o mundo há pouco mais de dois anos, adotou, desde o início do alastramento do vírus, a política de zero Covid-19 no país. As medidas incluíram desde quarentena severa em regiões cuja população equivaleriam a de países inteiros, até a suspensão de voos de países como os EUA, medida que tem gerado alguns percalços na relação comercial entre essas nações.

A mais recente medida, seguindo a política de “tolerância zero” contra a pandemia, foi a descoberta de um surto na populosa Hong Kong, em que um funcionário de um petshop testou positivo, incluindo onze hamsters daquele estabelecimento comercial. A decisão das autoridades sanitárias, além de recomendações aos donos destes animais, foi o imediato sacrifício de cerca de dois mil destes animais, ainda que não se tenha comprovado que eles sejam capazes de transmitir o vírus para humanos ou que todos eles estivessem contaminados. 

Outras medidas acompanharam aquela dura decisão: a proibição da importação de animais de estimação - por exemplo, roedores - e da exposição pública daqueles cujos donos tinham o hábito de fazê-lo. A medida não explicava se animais que fossem levados para um passeio seriam confiscados ou mortos. Coelhos e Chinchilhas ainda não foram identificados com o vírus.

Triste cenário. A pandemia trouxe novas realidades que nos desafiaram a aprender formas de lidar com algo tão ameaçador às nossas vidas. Por isso, logo foram empreendidas medidas extremas de cuidado e proteção, como se não soubéssemos com que intensidade precisariam usá-las.

Diante de tal situação inusitada, pessoas abandonaram seus animais de estimação e outras tantas se voluntariaram para adotar aqueles abandonados ou destinados ao abate, visto que a maioria não fora testada. As autoridades sanitárias se mantiveram irredutíveis.

Este evento foi notícia no mundo inteiro, talvez porque venha crescendo, de forma perceptível, a sensibilidade em relação aos animais. Movimentos sociais diversos nos últimos anos têm defendido a proteção dos animais, em parte por causa das evidências preocupantes na velocidade do desaparecimento de animais e plantas em todo o mundo e em parte inspirada pela Bioética, ciência que expressa princípios norteadores de nossa relação uns com os outros e com a natureza.

É interessante notar que patos e frangos, conhecidos reservatórios de gripes diversas e efetivamente transmissores para humanos, foram, em vários momentos, sacrificados aos milhões, sem que tenha havido muita reação. Eles são animais incorporados à nossa cadeia alimentar e, num mundo cada vez mais urbano, muita gente jamais viu um frango vivo na vida.

A questão dos roedores na China levanta a discussão do grau das medidas que possam causar mais dano que benefício, principalmente com relação à forma de como os animais seriam mortos. Em pesquisa, há rígidos protocolos que, por exemplo, ratos usados em laboratório tenham uma morte “digna” – entenda-se, sem sofrimento. E vemos cada vez mais o aumento de pessoas defendendo o fim total de animais para testes laboratoriais. Afinal, muitas pesquisas apontam que até mesmo alguns vermes – discussões à parte em relação às interpretações – são sencientes. Quer dizer, sentem dor e emoções.

Acredito que, com o avanço computacional da inteligência artificial e da computação quântica que elevará nossa capacidade de processamento e níveis jamais imaginados, poderemos criar novas moléculas para remédios ou qualquer outra necessidade, como a estética, apenas simulando as diversas testagens virtualmente. Por enquanto, ainda não é possível dar respostas a essas questões, mas já podemos nos valer da boa fundamentação que a Bioética nos fornece.

Por fim, lamento que os inocentes animais tenham virado as bruxas modernas nas fogueiras da inquisição daqueles que teimam em não enxergar o óbvio: o ser humano que destrói, prejudica e desrespeita o direito sagrado de milhares de outras espécies que não só fazem parte da Terra, mas também participam de sua cadeia vital. Acredito que a Bioética está diante de um momento fértil para discutir e traçar caminhos de um tratamento digno aos animais, o qual impeça o sacrifício do direito de todas as espécies que têm este planeta como casa. Parece que a visão global da vida já exige a globalização da igualdade no planeta.

Natalino Salgado Filho

Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.


Informação: UFMA 

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