domingo, 2 de abril de 2023

Quantas pessoas e experiências foram necessárias para construir quem você é hoje? quando bater saudade do passado, não sofra: há sempre um novo dia.

Aftersun

(Imagem: Aftersun / Reprodução)

Dirigido por Charlotte Wells, Aftersun estreou em grandes festivais internacionais de cinema e foi considerado uma das obras mais aclamadas pela crítica — e pelo público — em 2022.

Retratando as lembranças da própria diretora, o enredo é bem simples: Sophie reflete sobre a alegria e a melancolia das férias que tirou com seu pai, Calum, em 1990, quando tinha apenas 11 anos. 
• Misturando memórias reais e imaginárias, ela tenta reconciliar o pai que conheceu com a ausência do homem que desconhecia.
Navegar pelo passado é uma tarefa que, por si só, desafia as nossas verdades. Agora, pensar em memórias pelas lentes de uma pré-adolescente, ainda coloca um pouco de curiosidade, insegurança e amadurecimento no processo.

Priorizando a poesia visualAftersun usa o aspecto quente e acolhedor do verão para acompanhar os momentos leves entre pai e filha. Porém, quando a noite chega, a atmosfera atinge um tom denso e melancólico.
Durante as quase duas horas de filme, nada de muito espetacular acontece. Na verdade, longe de efeitos especiais, vemos o “espetáculo” nos detalhes.
Por trás dos dias de sol e drinks coloridos, o que realmente importa é o que passa despercebido: um silêncio durante o jantar, uma risada oportuna ou um suspiro mais profundo.
• Ainda que seja difícil enxergar os nosso pais como pessoas — e não super-heróis —, a relação dos protagonistas cumpre esse papel com muita generosidade. 
Sem mais spoilers, juntos, os atores conseguem transformar o simples em algo cheio de significado. Assim como muitos momentos da vida, Aftersun é sobre o que não foi dito — mas nunca precisou de palavras.

Stardust

(BASEADO EM UMA HISTÓRIA REAL)

(Imagem:VSCO / Reprodução)

O Hoagy Carmichael tem uma versão linda de Stardust, uma daquelas canções que fazem a gente ter vontade de dançar sob a luz do luar. Sabe aquele jazz suave que te faz colar o corpo naquela pessoa que visita os seus sonhos de vez em quando?

Enfim, a Maria estava pensando sobre a música, começou a escrever a letra e chegou nesse texto meio piegas e completamente desconectado com a realidade.
Ela diz que gosta de descrever a vida em cor-de-rosa, de cantar “la vie en rose” para fugir dos blues. O que é estúpido, claro, mas a gente está aí para se encantar e depois sofrer mesmo, né?
É estranho pensar que ela e o Pedro já foram um casal apaixonado dançando sob as estrelas. A Maria se lembra do final de semana em que os dois fugiram da civilização e se esconderam numa cabana e num vinhedo.
• Roubaram amoras do pé e se sentaram, bêbados, para olhar a lua. Naquele momento, ela percebeu que o amava.
Você já ouviu “Blue Moon”No vinhedo, ela olhou pra lua, e sentiu que a letra da música era real: “a lua que antes me vira rezar para amar novamente era a testemunha solitária do sentimento que palpitava ali dentro de mim”. 
Ela devia ter tirado uma Polaroid dos dois para não se esquecer que o resto estava todo embaçado, mas que o olhar dele nunca tinha sido tão nítido. Aliás, a Maria até comprou uma câmera analógica para consertar esse erro do passado.
Mas eles viraram poeira de estrela. Parece que aquela explosão de sentimentos era o prenúncio de uma bomba. Onde foi que eles se perderam? A memória hoje parece fragmentada.

Era tudo rosa e, de repente, cinza. O mais estranho é que a versão da Maria que dançava com o Pedro na cozinha enquanto eles faziam molho pesto não existe mais. Ou existe em uma dimensão espaço-tempo que não dá mais pra acessar.
• Ele não existe mais e escolheu esvanecer completamente do universo dela. E ela também não voltou a ser quem era antes da explosão.
Parece que a Maria está olhando para a história de desconhecidos, até que ela se pega ouvindo The Doors ou alguma outra música boogie dos anos 70 que jamais teria feito parte do seu repertório. 
Nesse momento, ela percebe que eles realmente aconteceram — e ela até se tornou um pouco do Pedro. No final das contas, esse caos sem final deixou pedaços dos dois um no outro.
Um dia, ele pediu para que eles se desfizessem dos laços que ainda tinham, mas a Maria achou isso uma grande besteira. Para ela, sua poeira irremediavelmente se misturou a dele.
• Em vez de insistir nesse tal de “closure”, ela prefere incorporar de peito aberto o que ainda resta um do outro nessa existência efêmera.
Ou sei lá, talvez a Maria esteja delirando ou emotiva por estar dentro de um avião vendo as luzes da cidade e ouvindo Billie Holiday. O Pedro sabe como ela se deixa levar por sentimentalismos água com açúcar.
Outro dia, ela assistiu um filme chamado Aftersun. É sobre um pai deprimido que leva a filha para um resort decadente na Turquia. Não é muito o tipo de filme do Pedro, mas é bem o dela.
Quando terminou, ela não conseguia parar de chorar. Talvez tenha se lembrado do seu pai e de toda a história que um dia o Pedro soube, ou ainda sabe? Agora eles são só desconhecidos? 
• A garota do filme diz em certo ponto que, quando sente saudades do pai, ela gosta de se lembrar que eles dividem o mesmo céu.
O mesmo sol nasce e se põe pra eles, a mesma lua testemunha as aventuras e desventuras que acompanham as suas vidas — e a Maria gostou de pensar assim também.
Agora, ela sabe que a lua vai continuar testemunhando as poeirinhas bagunçadas de estrela que são os dois vagando por aí, em busca de sentido, significado e, se forem muito sortudos, até mesmo amor.
Em qualquer dimensão espaço-tempo que esteja, quando olhar pro céu, a Maria vai lembrar que a lua cheia também ilumina a poeira de estrela do Pedro.

Texto & Imagens / Reprodução: Thestories

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