domingo, 30 de julho de 2023

O que faz a gente gostar de alguém? ainda que as semelhanças ajudem a sustentar uma relação, o amor vem mesmo daquilo que não tem explicação.

Como é que se ama?


Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria — e não o que é.

Existe uma interpretação desse texto da Clarice Lispector que fala sobre a teoria dos avessos. Sabe aquele bordado que é bonito por fora, mas tem um emaranhado de linhas desordenadas por dentro?

Então, podemos pensar que a nossa vida é como um bordado. Por fora, tem o que mostramos para o mundo. Por dentro, há uma confusão de nós e pontos que tentamos esconder.

• Voltando ao texto da Clarice, a gente acredita que o amor nasce pelo que está evidente, mas esquecemos que o encantamento vem de uma força oculta.

Fazendo das relações um cálculo matemático e somando apenas as compreensões, então, tudo parece simples. Agora, quando o avesso do outro aparece, como a gente resolve a equação?

Nesse caso, somar as incompreensões é se submeter a uma verdadeira transformação, seja ela qual for. É não possuir o outro, mas enxergar no seu avesso aquilo que falta em nós.

Até porque, quem não sabe ceder, não sabe amar. E, parafraseando a própria Clarice, “amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca”.

Dois misturados em um só
(Baseado em uma história real)


Em um dia qualquer, a Daniela ouviu de um amigo que amor é liberdade. Apesar de ter entendido na hora a teoria da afirmação, ela só foi viver o conceito na prática algum tempo depois.

• Começando pelo começo, ela conheceu o João quando tinha apenas 13 anos. Ele estava no sítio de uma tia dela, que é amiga dos pais dele.

A Dani achou ele lindo logo de cara, mas eles mal conversaram. Foi só 4 anos depois que o João achou ela no Facebook e os dois começaram a se falar pelo jogo “perguntados”, que era moda na época.

Papo vai papo vem, ele chamou ela pra ir no show do Diogo Nogueira. A Daniela nem sabia quem era esse, mas foi mesmo assim — e quebrou a cara porque o João nem deu bola pra ela.

Foi só mais alguns anos depois que ele usou a mesma tática, mas dessa vez pelo Instagram. Depois de conversarem um pouco, o convite veio de supetão: “vamos tomar um açaí? Te busco em 10 minutos”.

Os dois conversarem bastante, mas ainda não teve beijo. Algumas horas depois do encontro, o João mandou uma mensagem dizendo que o sorriso dela era ainda mais bonito do que ele se lembrava. A Dani caiu no papinho na hora.

• O primeiro beijo aconteceu no segundo encontro, em uma sorveteria de esquina, e os dois continuaram saindo desde então.

Como tinham passado por relacionamentos conturbados, eles combinaram que não iriam namorar, mas apenas curtir a companhia um do outro.

Na época, a Daniela fazia faculdade no interior e, sempre que dava, o João ia visitá-la. Nas palavras dele, esses finais de semana eram como um “respiro de todos os problemas do mundo”.

Nesse meio tempo, o sentimento foi crescendo, mas o João dizia que ainda não estava pronto pra namorar.

Depois de alguns desentendimentos, então, eles combinaram que era melhor parar por aí, mas a vida — ou as mensagens dele depois de beber — sempre dava um jeito de colocar os dois juntos de novo.

Enquanto estavam “separados”, e passando o Réveillon com turmas diferentes, a Dani lembrou dele na hora da virada e escreveu uma mensagem com tudo que estava em seu coração:

“Queria que sempre que precisar você se lembre dos nossos momentos de conexão. As conversas legais que tivemos. Os sorvetes e os beijos gostosos. Minha cara de brava quando você fala algo para me irritar. Os abraços apertados de gratidão e alegria ao te ver chegando na minha casa em Juiz de Fora. Você me olhando entrar em casa antes de ir embora. Você me levando no Belas Artes. A gente tomando açaí. Você me buscando de carro. Eu te buscando de carro. Você conhecendo minha família. Eu conhecendo a sua família. Temos um pouco do outro dentro da gente. Eu sou você. Você sou eu. Juntos somos dois misturados em um só. Essa conexão é nossa, e vai ser pra sempre nossa. Saber que isso é nosso acalma meu coração. Que o nosso carinho e respeito pelos sentimentos do outro permaneça. Que eu cuide do seu coração e você cuide do meu.”

Depois disso, já estava insustentável ficar separado e os dois combinaram de ter um relacionamento mais sério, mas ainda sem o termo namoro.

Nesse “não namoro”, eles fizeram vários jantares na casa da Dani. Beberam vinho e dançaram Tennessee Whisky. A mãe dela disse que eles ficavam abraçados dando muitos beijinhos, igual dois passarinhos.

• Alguns meses depois, em uma sexta-feira de Netflix, ele virou pra ela e disse: “a gente está namorando, né?”

Ela sorriu e respondeu um desses “sins” que a gente solta depois de uma pergunta óbvia. Desde então, são 3 anos de relacionamento oficializado e uma grande compreensão nas incompreensões.

O João é pagodeiro, adora um churrasco, sol e calor. A Dani é mais reservada, gosta de inverno e livros, mas isso nunca foi motivo de conflito: eles têm a mesma curiosidade de conhecer o mundo um do outro.

A Dani fala que sempre foi apaixonada pelo João. Desde a primeira vez que o viu, aos 13 anos, ela sentiu que suas almas já se conheciam. Em suas palavras, “foi como voltar pra casa depois de um dia muito, muito longo”.

Lembrando da fala daquele amigo lá do início da história, hoje, a Daniela diz que o João significa liberdade. Liberdade de ser quem ela é, seja lá o que for. Respeitando suas singularidades, eles fazem do amor o ponto em comum.

Texto e imagens: The stories/ Reprodução 

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