domingo, 3 de setembro de 2023
Garrafa ao mar

Bom dia. essa história não é uma tentativa de aproximação, mas apenas uma garrafa lançada ao mar  será que chega no destinatário?


Todas as Cartas de Amor são Ridículas


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

O poema é de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que foi considerado um dos nomes mais importantes da poesia e da crítica literária portuguesa.

• Se o poema foi considerado provocativo na época, hoje, a “geração do desinteresse” teria até mais facilidade em defender a ideia inicial de Pessoa.

Na primeira estrofe, ele já lança que “as cartas de amor são ridículas” como um fato de conhecimento geral, sem nenhum questionamento.

Na segunda, o eu-lírico abaixa um pouco a guarda, assumindo que também já escreveu “essas cartas ridículas”. Afinal, “as cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas.

Indo além das cartas propriamente ditas, qualquer gesto de quem está apaixonado provoca estranheza — e até aquela sensação de “vergonha alheia” — em quem está de fora do sentimento.

• Porém, chegando na real mensagem do poema, Álvaro de Campos conclui que “só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”.

Deixando de lado as expressões mais rebuscadas, uma coisa é fato: amar é brega. Mas, ainda assim, perder a racionalidade por paixão é uma das experiências mais gostosas que experimentamos ao longo da vida.

Em vez de se preocupar com a opinião alheia de quem não ama, que tal mergulhar de cabeça nas cartas ridículas? Como já dizia Mario Quintana, “bom mesmo é morrer de amor e continuar vivendo”.

Clarice Lispector 
parece uma árvore
(CARTAS DA VIDA REAL)


Já que estamos falando de cartas, nada melhor do que uma dessas escrita por quem já é poeta. No caso, depois de se formar em Direito, em 1946, Fernando Sabino viajou pra Nova York, onde ficou trabalhando no consulado brasileiro.

De lá, ele escreveu à sua amiga Clarice Lispector, que estava morando na Suíça para acompanhar o seu marido que seguiu carreira diplomática. Aqui estão alguns trechos da carta:

Nova York, 10 de junho de 1946

Clarice,

Esta é a quarta carta que inicio para responder a sua. A primei­ra eu deixei no Brasil, só trouxe a primeira página, que vai junto. A segunda eu rasguei. A terceira eu não acabei, vai jun­to também. (…) Ainda ontem me lembrei muito de você, porque um america­no me perguntou se o meu relógio era suíço. A Suíça existe mesmo? Serão daí mesmo os queijos suíços? Me escreva, Clarice, sou tão cínico que te peço para me escrever, me res­ponder com a pontualidade e a presteza que não tenho, con­tando tudo, suas aventuras e desventuras.

Daqui de Nova York não posso te contar nada além do que você calcula. Outro dia abri um livro do Erico Verissimo sobre literatura brasileira escrito aqui, mesmo na página em que ele fazia uma referência a você. Tenho sentido muita fal­ta de seu livro que deixei no Brasil, para plagiar uns pedaços quando vou escrever o meu. Tenho tido muitas dores de cabeça, tenho ouvido histórias de espantar. Tenho dado muitas gafes aqui com o meu pobre inglês. Tenho tido muitos pesadelos. Tenho feito des­cobertas importantes, por exemplo: o pecado é simplesmente tudo o que Cristo não fez. Tenho tido muito pouco dinheiro. Tenho tido muitas oportunidades de ficar calado. Tenho tido can­saço, saudade e calma. Tenho bebido muito, muito, muito. Tenho lido os suplementos dominicais. Tenho tido vontade de voltar. Tenho escrito muitas cartas para você. Tenho dor­mido muito pouco. Tenho tido muito medo de morrer. Tenho faltado muita missa aos domingos. Tenho tido muita pena de Helena ter se casado comigo. Clarice, estou perdido no meio de tantos particípios passados. Estou com vontade de fumar e o meu cigarro acabou, estou com vonta­de de namorar de tarde numa pracinha cheia de árvores, estou com muitas saudades de mamãe.

Só de pensar que você estará lendo esta carta muitos dias depois de ter sido escrita me dá vontade de não mandar. Mas mando, isso é uma desonestidade. Você nos escreveu há um mês. Juro que não faço mais isso, foi só da primeira vez, ago­ra não faço mais. Me escreva, que responderei imediatamente. Como vai indo o seu livro? O que é que você faz às três horas da tarde? Quero saber tudo, tudo. Você tem recebido notícias do Brasil? Alguém mais escreveu sobre o seu livro? É verda­de que a Suíça é muito branca? Você mora numa casa de dois andares ou de um só? Tem cortina na janela? Ou ainda está num hotel? Qual é o cigarro que você está fumando agora?

Também não me despedi de muita gente. Também me esque­ci de muitas coisas no Brasil. (…) A coisa que mais gostava era no tempo de frio sair fumacinha da minha boca. Pipocas, Fernando! Clarice Lispector é uma coisa riscadinha sozinha num canto, esperando, esperando. Clarice Lispector só toma café com leite. Clarice Lispector saiu correndo no vento na chuva, molhou o vestido, perdeu o chapéu. Clarice Lispector sabe rir e chorar ao mesmo tempo, vocês já viram? Clarice Lispector é engraçada! Ela parece uma árvore. Todas as vezes que ela atravessa a rua bate uma ventania, um automóvel vem, passa por cima dela, e ela morre. Me escreva uma carta de sete páginas, Clarice.

Fernando

Recado pra você
(Baseado em uma história real)

Bê nunca se imaginou “sentado à maquina” para escrever esta carta. Porém, nas últimas semanas, sentiu a necessidade de fechar alguns pontos em sua vida que ficaram mal resolvidos.

• Pois bem, nesse segundo semestre, vai completar 15 anos que o seu caminho cruzou com o da Mi.

Ela chegou de uma forma inesperada, literalmente sem pedir licença. O Bê não estava procurando um relacionamento sério, mas certas coisa a gente não escolhe, né?

Até hoje, esse foi o seu único caso de paixão à primeira vista. Da forma mais piegas possível, igual a gente vê nos filmes de comédia romântica.

Por ser bom de datas e locais importantes, o dia 11 de novembro de 2008, na Rua Dom José Gaspar, entre a Padre Rossine Cândido e a Padre João Crisóstomo, mudou muita coisa em sua vida.

• Segundo ele, existia um quê de mistério em cada palavra da Mi. Sutilezas no olhar e nos gestos. Maneirismos que marcavam.

O Bê se lembra do primeiro encontro formal dos dois, no dia 22. Ele se lembra da roupa que ela estava usando e do seu perfume — mas lamenta por ter desperdiçado um dia tão bom no pior filme da franquia 007.

Naquele momento, ele já estava completamente fisgado por ela. A Mi pensou em cada detalhe para criar um encontro inesquecível, e acertou em cheio.

Daí em diante, ele consegue lembrar de mais algumas coisas. Filmes, músicas, lugares. Sabe aquelas lembranças que nos fazem tirar um sorriso do rosto em uma tarde modorrenta?

Quando eles se conheceram, era uma época de vacas magras, onde o cinema era o máximo que dava pra ir. A casa da dona Ana também era uma boa opção — literalmente zero gastos.

• Existiam vários outros lugares que o Bê gostaria de ter levado a Mi. Até hoje, quando senta em um restaurante bacana, ele pensa nisso.

Ah, ele também lembra de um bilhete que ela deixou em sua pasta. Na época, ele não teve coragem de se expressar como deveria, mas gostaria que ela soubesse que a resposta seria “eu também”.

O Bê se lembra de quando a Mi lhe enviou uma matéria no jornal, que falava sobre pessoas que poderiam se cruzar e, depois, acabar se separando. Ela não imagina o frio na espinha que ele sentiu naquele dia.

Hoje, ele enxerga que o relacionamento dos dois foi como um experimento, durando o tempo de uma floração de orquídea. Mas, na época, receber a notícia do fim foi muito impactante.

• Depois disso, ele não tem lembranças muito precisas. Mas sabe que passou boa parte de suas férias deitado, com uma sensação de frio extremo.

O Bê se dedicou muito ao trabalho, e conseguiu várias promoções que o levaram onde ele está hoje. Ainda não se diz totalmente realizado, mas tem seguido a vida do jeito que dá.

Ele sente muito por não ter mandado uma mensagem pra Mi quando a avó dela faleceu, mas todos foram unânimes em dizer que ele não deveria procurá-la.

De qualquer forma, ele sempre admirou a relação das duas, e espera que ela tenha descansado em paz.

Voltando ao relacionamento, o Bê não sabe explicar onde a ruptura ocorreu, mas garante que a felicidade da Mi sempre foi a sua prioridade — e sente muito caso não tenha transparecido isso.

• Hoje, 15 anos depois do primeiro encontro, ele queria que ela soubesse que, quando pensa nela, é com a mesma visão daquele 11 de novembro.

Infelizmente, algumas coisas começam a se esvair pela mente: a voz, o cheiro e outros pequenos detalhes que se dissipam com mais velocidade.

De qualquer forma, esta carta não é uma tentativa de reaproximação. O Bê realmente acredita que os seus caminhos nunca irão se cruzar novamente, mas não queria deixar nenhuma pendência.

• Segundo ele, não faz isso porque sente algum remorso, mas simplesmente pela importância que a Mi teve em sua vida.

Inclusive, aquela frase que ele disse na casa dela, em um sábado, é verdade. O amor deles foi e sempre será único, assim como o juramento que fizeram na biblioteca.

Como eles nunca mais tiveram contato, ele chamou essa mensagem de “uma garrafa lançada no mar do the stories”. Ah, Mi e Bê também eram apelidos que só os dois sabiam.

Por fim, existe uma tradição numa cidade histórica italiana onde se queimam papéis com sentimentos que queremos deixar pra trás. Segundo ele, essa seria a sua mensagem: “Obrigado pelo nosso tempo juntos. Perdoe-me se falhei contigo”.

Fonte e imagens: The stories  / Reprodução 

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