domingo, 22 de outubro de 2023
Indecisão

Você tem dificuldade de fazer escolhas? na dúvida, a indecisão acaba sendo uma decisão tomada pra não decidir.

LUA-DE-MEL


Uma vez, num café, ouvi um rapaz a desabafar com outro, estava atormentado, ia­‑se casar e ainda não tinha decidido onde ia passar a lua­‑de­‑mel, se no México se no Egipto. Sartre diz que não há angústia existencial quando se está na pastelaria a hesitar entre um mil­‑folhas e um éclair de chocolate. Aquela lua­‑de­‑mel, no México ou no Egipto, parecia à partida um frete. Pensei que, quando se está de facto apaixonado, se passa uma lua­‑de­‑mel deliciosa na Praça do Chile.

Esse texto da portuguesa Adília Lopes até tenta nos enganar no começo, mas depois lança uma verdade inescapável: por trás de toda dúvida, existe uma questão velada.

Muitas vezes, quando não queremos alguma coisa, arrumamos vários empecilhos: “a hora não é agora; tal lugar é muito longe; tal pessoa é muito diferente e tal coisa dá pra deixar pra depois”.

• Nessa enrolação, vamos adiando o inadiável e escolhendo a indecisão como uma decisão tomada pra não decidir.

É como se focar em problemas menores — como um mil-folhas ou um éclair de chocolate — conseguisse nos desviar da maior questão: nunca é sobre “onde”, sempre é sobre “quem”.

Não raramente, vemos pessoas impondo várias condições pra um relacionamento dar certo. Aí, aparece um novo amor, e decidir se o casamento vai ser no campo ou na praia deixa de ser uma questão.

Planeje e sonhe com momentos especiais, mas, se existir dúvida, não se esqueça: quando o amor é verdadeiro, até aquele “sim” no cartório sem graça da sua cidade vai te dar borboletas no estômago.

Borboletas no estômago
(Baseado em uma história real)


A Juliana sempre foi muito independente. Na verdade, nem teve outra escolha: seu pai faleceu quando ela era criança, e a sua mãe teve que ralar muito para criar seus três filhos.

• Desde pequena, então, ela aprendeu que não podemos depender de ninguém — cada um tem que correr atrás do seu.

Com muito estudo, dedicação e noites mal dormidas, ela passou no vestibular e deu orgulho pra todo mundo sendo a primeira médica da família.

Tinha tanta coisa pra se preocupar na vida, que o amor sempre ficou em segundo plano. Na verdade, ela teve três namoros sérios, mas nunca “perdeu nenhuma noite de sono por causa de homem”.

Do meio da faculdade pra frente, Juliana decidiu que iria ficar sozinha e focar só nos estudos. Como sonhava em fazer residência em um grande hospital de São Paulo, a dedicação tinha que ser total.

Dizem que não dá pra dividir a vida em caixinhas assim, mas o santo dela é forte e a aprovação na residência veio junto com o amor: logo que chegou no hospital, conheceu o Pedro.

• Ele dava “check” em todos os atributos que ela achava essencial em alguém: inteligência, educação e caráter.

Pra completar, ainda era um exemplo na profissão que ela escolheu seguir, entendia tudo de vinhos e deixava bem claro suas intenções para o futuro: sonhava em construir uma família.

Os dois, então, começaram a namorar depois de uma viagem romântica para o interior de São Paulo, e o relacionamento foi ficando mais sério de forma natural e repentina.

Com ele, ela passou a focar ainda mais nos estudos. Descobriu que gosta mais de Sauvignon Blanc do que de Chardonnay, e foi a vários shows de música sertaneja com a sua turma de amigos.

• Por outro lado, ela nunca mais escreveu poesias. Tinha isso como hobbie desde nova, mas o Pedro falava que era bobagem.

 A Juliana também parou de escutar MPB e até devolveu os discos antigos da sua mãe. Seus irmãos diziam que ela estava diferente, mas o Pedro falava que “amadurecer é mudar”.

Em dezembro de 2022, logo após o pedido de noivado, a Juliana foi passar Natal com a sua família. Como o Pedro estava fora em um congresso, ela aproveitou pra contar todas as novidades pra sua mãe.

Antes de querer ver o anel, a dona Patrícia — romântica incurável — perguntou como foi o pedido e se “as borboletas ainda estavam fazendo festa no seu estômago”.

• A Juliana riu e disse que não teve pedido. Também falou que “borboletas no estômago” era coisa de adolescente. Adulto decide se casar e pronto.

Ao ver o rosto de decepção da sua mãe, alguma coisa mudou dentro dela. Como em um estalo, a Juliana percebeu que era “mais ela mesma” quando estava longe do Pedro.

Assim que ele voltou de viagem, os dois conversaram e decidiram que, na falta de certeza, era melhor seguirem caminhos separados — como já dizia um filósofo, “não há dúvida no amor”.

Depois disso, pela primeira vez, a Juliana tirou férias sem nenhum compromisso de trabalho no meio. Ficou quase 20 dias se perdendo pela Bahia e ficando mais próxima de si mesma.

• Dançou forró, conheceu várias pessoas legais, tomou banho de mar, de rio, escutou muita MPB e não ouviu nenhuma música sertaneja.

Há alguns meses, começou uma nova história de amor. Ela não quer falar o nome aqui pra não expor, mas já adianta que ele não é médico e também não entende nada de vinho.

A Juliana também não sabe se eles vão querer construir uma família com dois filhos e um cachorro, mas agora tem certeza que a sua mãe tinha razão: sentir borboletas no estômago também é coisa de adulto.

Fonte e imagens: The stories / Reprodução

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