domingo, 5 de novembro de 2023

Amor não vivido

Superar uma relação fracassada é fácil. difícil mesmo é aceitar o fim de um amor que mal começou.


A graça do desconhecido


Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.

A citação acima é do humorista, dramaturgo e escritor brasileiro, Millôr Fernandes. Conhecido por suas frases provocativas, ele conquistou leitores e admiradores pelo Brasil durante décadas.

• Falando em frases provocativas, Nelson Rodrigues dizia que “se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.”

Pegando a frase de um de ou de outro, a verdade é que se todos conhecessem a intimidade — sexual ou não — uns dos outros, é bem provável que ficaria muito mais difícil cultivar admirações.

Até porque, além de incríveis, as pessoas que a gente não conhece bem sempre parecem cultas, divertidas e sofisticadas. Sabem ponderar as palavras e nunca perdem a estribeiras em situações difíceis.

O engraçado é que, quando chegamos perto, toda essa perfeição vai pro buraco. O que era divertido vira bobo, o que era sofisticado vira fútil e, até nas situações mais cotidianas, as estribeiras saem do eixo.

• E são nesses momentos que ficamos de frente pra uma verdade inescapável: ninguém É incrível, porque somos poços de oscilação.

Um dia estamos de bem com a vida, no próximo, o choro vem mais fácil. Pessoas cultas podem cometer erros de ortografia vez ou outra, e até os mestres do yoga ficam estressados quando o trânsito aperta.

Corrigindo a citação anterior, talvez sejam todas essas oscilações que nos fazem incríveis. No final do dia, melhor do que admirar a perfeição de quem a gente não conhece, é amar os defeitos de quem está do nosso lado.

Estante da vida
(Baseado em uma história real)


O amor que a gente não vive fica como um bibelô na estante da vida. Intocável, precioso, congelado no tempo e evocando boas memórias.

É ingrato o fim de algo que nem direito começou. É mais fácil superar algo que se viveu, se sentiu, se cansou, se brigou, se complicou, enroscou e desenroscou.

A história de amor de hoje é exatamente sobre isso: um amor em que os personagens viveram apenas os primeiros minutos do longa, deixando todas as outras cenas a serem gravadas.

Na vida real, os protagonistas desse encontro se chamam Isabela Diego. Segundo ele, a “trombada” foi obra do destino brincalhão. Segundo ela, a decisão de permanecer foi consciente.

• Trabalhavam na mesma empresa, mas nunca tinham conversado. Até que, por uma coincidência qualquer, acabaram na mesma mesa do self-service perto da firma.

Almoçaram. Tomaram café. Voltaram ao trabalho e seguiram algumas semanas assim, até que Isabela enviou um e-mail para um grupo em que Diego estava.

Pegando um comentário dela da semana anterior, ele mandou uma mensagem interna dizendo que gostaria de chegar em um cargo em que pudesse misturar inglês e português sem ser julgado.

Conversaram. Riram. Trocaram telefones. E, de lá para frente, durante um ano inteiro, o assunto nunca acabou. Nem os almoços. E nem os cafés.

Dialogaram sobre tudo que fazia cada um único. Se surpreenderam sobre como suas estranhices combinavam e pela forma acolhedora que conseguiam ser “casa” um do outro.

• Dividiram visão de vida, futuro, teorias malucas sobre o fim do mundo, desconfortos, neuras e piadas internas.

Acompanharam grandes e pequenos acontecimentos da vida um do outro. Trocaram dicas de filmes, livros, músicas, restaurantes e até alguns perfis legais pra seguir no Instagram.

Nesse meio tempo, Diego alugou um apartamento. Na entrega das chaves, Isabela deixou a seguinte mensagem pendurada no interfone: “welcome to the real world, it sucks... You gonna love it”.

Ela também estava lá em cada pequena grande mudança. Em cada desabafo e nos inícios e fins de todos os relacionamentos do Diego.

Até o dia em que perceberam que o relacionamento dos dois tinha que acabar para que o Diego se sentisse livre pra encontrar uma companheira. E a Isabela pudesse viver plenamente com o seu companheiro.

• No relato dele, todas as mulheres que apareciam em sua vida eram medidas usando a Isabela de modelo — e isso não era justo.

Nas palavras dela, admitir que o afeto que existia entre os dois passava do nível de amizade era algo que ambos não queriam. Mas se fez necessário.

Em um sábado frio, sentaram frente a frente com um drink na mão — coisa que a Isabela começou a gostar por ele — e combinaram o fim de algo que nem sequer começou, mas parecia que sim.

Combinaram o ponto final de uma relação que fez ambos expandirem e florescerem durante um ano completo.

Combinaram o fim das conversas, dos almoços, dos cafés, dos drinks, das piadas internas, do “vi esse artigo e lembrei de você”, dos “já leu esse livro?”, das discussões filosóficas, das trocas de conselhos e dos olhares de admiração.

Falando desse ponto final, a Isabela repete: o amor que a gente não vive fica como um bibelô na estante da vida. Intocável, precioso, congelado no tempo e evocando boas memórias.

O fim não apaga o começo e o meio, que ficaram preciosamente acomodados na estante da sua vida. Um bibelô que apenas ela entende tamanho significado.

Texto e imagem: The stories  / Reprodução 


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