domingo, 3 de dezembro de 2023
Amar os outros


Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O “amar os outros” é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector — que já apareceu por aqui algumas vezes — afirmou que jamais escreveria uma autobiografia, mas sua obra é tão pessoal que dá até pra sentir que conhecemos a autora.

• O trecho aqui citado, inclusive, é parte do livro “Aprendendo a Viver”, que reúne suas crônicas confessionais escritas entre 1967 e 1973.

Apesar de ser considerada uma das escritoras mais relevantes do século XX, Clarice rejeitava de forma veemente o rótulo de intelectual — “ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto.”

Seguindo esse seu lado passional, no resto da crônica que citamos acima, a escritora reforça que “escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode lhe trair ou lhe abandonar”.

Por outro lado, sempre lhe restará amar. Enquanto escrever não lhe traz nenhuma certeza, ela sabe que pode amar até a hora de morrer.

Esse pensamento pode parecer estranho pra quem associa o amor com a garantia de reciprocidade, mas pra quem busca apenas um coração preenchido, Clarice tem razão: ninguém estará perdido se der amor.

• Ah, e demonstrar dá medo mesmo, mas como a própria poeta diz: “Por te falar eu te assustarei e te perderei? Mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia”.

Ainda que o “amar de volta” não seja garantido, demonstrar nossos sentimentos com sinceridade não é sinal de fraqueza, mas a maior prova de que somos fiéis à nossa essência.

Pensando nisso, vale reforçar a ousadia e coragem da Clarice com uma frase do Valter Hugo Mãe: “quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz”.

Intensa demais
BASEADO EM UMA HISTÓRIA REAL


A Alice sempre foi doida pra namorar, mas só arrumava perrengue. Quando foi pra faculdade, se mudou pro Rio, e a situação ficou ainda pior: foram decepções atrás de decepções.

• Depois de alguns casinhos que não foram pra frente, e muito envolvimento com pessoas imaturas, ela chegou a uma conclusão: o problema era ela.

Algumas de suas amigas já tinham a alertado sobre essa mania de “sentir demais”, e que a solução era ser indiferente. Ou, caso a indiferença realmente não existisse, pelo menos fingir que “não tava nem aí”.

Nessa tentativa de abafar os seus sentimentos, veio uma notícia pra atrapalhar ainda mais a sua vida amorosa: a pandemia chegou, e a Alice teve que voltar pra sua cidade natal, no interior de Minas.

Como já sabia que lá “não tinha ninguém pra namorar”, ela morria de preguiça de sair, e era como aquele meme: “quero conhecer o amor da minha vida, mas ele vai ter que bater na minha porta”.

• Pode parecer até ironia do destino, mas a verdade é que foi isso que aconteceu: o amor bateu, e ainda foi de penetra.

Contando melhor a história, em julho de 2022, a Alice viajou com as suas amigas e disse: “gente, vou aproveitar muito essa viagem, porque quando eu voltar pro Brasil vou conhecer o amor da minha vida”.

Quando voltou, ela também tinha decidido que se mudaria pra Belo Horizonte, e já chegou organizando uma festa de despedida.

No dia, sua melhor amiga estava em outro aniversário, e depois de alguns shots ligou pra Alice com um pedido: “aqui tá muito animado, posso levar todo mundo pra sua festa?”

No meio dos penetras, estava o Gustavo. Já tinham falado dele pra Alice, mas ela foi firme, dizendo que “nunca namoraria ninguém mais novo que ela”. Pra completar, ele ainda era mais baixo. risos.

• Mesmo com todos esses contras da sua listinha, ela ficou a festa inteira conversando com ele.

Nessa primeira troca, já perceberam que a conexão era forte, e todo o papo de “ser indiferente” foi logo pro ralo. O que ela gostou no Gustavo foi justamente o oposto: sua empolgação com as coisas bobas da vida.

A Alice iria embora no dia seguinte, mas ele não perdeu tempo no convite: chamou ela pra ir em um restaurante, e disse que a levaria na rodoviária no final da noite.

O beijo aconteceu nesse dia mesmo, mas por todos os contras que já contamos aqui, a Alice não admitia que estava apaixonada.

• Até que, no segundo encontro, ele levou um jogo de cartas com várias perguntas profundas para os dois responderem.

Depois de alguns pedaços de pizza — e muitos goles de vinho —, eles leram uma pergunta que dizia: “o que você gostaria de falar para sua família que você não fala?”

Sem esconder nenhum sentimento, o Gustavo deu uma resposta bem aberta e sincera, que conseguiu mostrar pra Alice como os valores dele batiam com os dela.

Nesse momento, ele revelou suas fraquezas, e isso não gerou afastamento. Pelo contrário: os dois se sentiram em casa.

• Aos poucos, todos os preconceitos da Alice em relação ao Gustavo foram se tornando irrelevantes.

Dia após dia, conversa após conversa, ele foi mostrando pra ela que a gente não precisa mudar o nosso jeito pra se encaixar. Sempre vai ter alguém tão doido quanto você pra dividir a vida.

Se ela tivesse escutado as suas amigas lá no início da história — e abaixado o volume dos seus sentimentos —, ela tem certeza que não teria dado certo com o Gustavo.

Desde o dia da pizzaria, os dois não desgrudaram mais. Compartilhando segredos, vulnerabilidades e aventuras, a Alice agora sabe que Proust tem razão: “o amor é o espaço e o tempo tornados sensíveis ao coração”.

Texto e imagens: The stories / Reprodução 

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