domingo, 17 de dezembro de 2023
Dualidade do amor

Todo mundo sabe que relacionamentos acabam, mas para onde vai o amor depois do fim?

Eternas são as nuvens


Para onde vai tudo que se vive? Para onde vai a mágica de certos instantes? A comunhão que se viveu, a cumplicidade de dividir tempo, espaço, experiências inaugurais? Para onde vão o carinho, a parceria, a entrega? Para onde vai o que só vocês viram e experimentaram: o nascimento de um filho, a morte de um amigo, a notícia daquele emprego, a compra da casa, a noite no acampamento, aquele show em Londres? Para onde vai a consciência que você tinha, de, com apenas um olhar, saber se ele estava feliz, deprimido ou ansioso? Para onde vai a absoluta intimidade que se teve com o outro?

Acredito que isso tudo fica em algum lugar interno, como um site, uma espécie de nuvem onde armazenamos tudo o que vivemos. Tão reais e etéreos como o iCloud, temos os nossos weClouds, que podemos acessar ou que nos acessa, algo que fica preservado, e que, mais do que nos fazer lembrar coisas, nos acolhe e ratifica. O weCloud guarda o essencial, o que ficou depois da ruptura, da tempestade, o rescaldo de um tempo, um a dois permanente, que sobrevive aos acordos rompidos, às bênçãos desfeitas, às juras esquecidas.

Os relacionamentos podem acabar, mas não o vivido. Não se trata de memória, nem de “detalhes tão pequenos de nós dois”. Não se trata de viver no passado, nem de não aceitar os fatos. Trata-se de vida bem vivida que não pode nem deve ser perdida. Tudo o que vivemos e sentimos vira acervo, fonte, ferramenta; é nosso para sempre.

Quando estamos com alguém, somos, em alguma instância, uma pessoa única, que só aquele companheiro conhece. Maria é para João uma Maria que ela nunca será para Pedro, que é um Pedro para Maria, que nunca será o mesmo para Ana. Maria poderá ser muito mais feliz com Pedro do que com João, mas ela terá sempre sido a Maria do João e haverá sempre um lugar onde Maria e João se reconhecerão, mesmo que nunca mais se encontrem.

(…)

Esse trecho é do texto “Eternas são as nuvens”, escrito pela advogada — e poeta nas horas vagas — Hilda Lucas. Publicado na revista Claudia, ele foi recorde de comentários nas redes sociais.

• É fato que muitos relacionamentos acabam. Mas pra onde vai todo o acervo afetivo que se viveu com a outra pessoa?

O texto fez tanto sucesso, inclusive, porque esse questionamento é quase universal. E é claro que não existe resposta certa, mas a ideia do WeCloud acaba sendo uma boa teoria.

Como diz a própria autora, não se trata “de viver no passado, nem de não aceitar os fatos”. Se trata, em verdade, de fazer as pazes com a própria história — até pra abrir espaço pra outras.

Quando a dor passa, a gente acha que o vivido também passou, mas é aí que um detalhe banal nos lembra que os nossos WeClouds permanecem ali.

• É quando você acha uma foto antiga ou escuta uma música que te faz lembrar de como vocês se divertiam em baladas abafadas com drinks duvidosos.

É quando você encontra aquele antigo “quase amor” na rua, e vocês se cumprimentam com poucas palavras — mas trocam olhares preenchidos de memórias.

Nas palavras da autora, “é quando você encontra uma caixa esquecida com rolhas de champanhe, que te fazem lembrar quem você era e como você se sentia quando estava totalmente apaixonada por aquele cara na Itália”.

No final das contas, melhor do que dar a volta por cima, é fazer as pazes com o passado e voltar pra dentro da gente. Como já dizia Carlos Drummond de Andrade, “as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”.

Tudo é oceano
(Baseado em uma história real)


Durante muito tempo, a Gabi acreditou que o amor só pudesse ser algo bom. Algo que transmuta e nos faz sorrir ou transbordar de emoção.

• Achou que o amor se resumia a sensações positivas como contentamento, conexão e sintonia — mas descobriu que ele não acaba por aí.

Foi com o Rafael que ela aprendeu a enxergar e sentir o amor sob essa perspectiva. Ao seu lado descobriu como era realmente mergulhar no olhar de alguém, e sentir cada pelo do corpo arrepiar no toque.

Vivendo com o Rafael, a Gabi aprendeu um dialeto que possivelmente não saberá repetir com mais ninguém. Nunca pensou que isso fosse possível, mas o amor faz isso: se expressa das formas mais sutis que podemos imaginar.

Com ele, ela deixou de olhar para o passado e vislumbrou o mais belo dos horizontes. Criou sonhos para o futuro, e passou a batalhar mais no presente.

• Porém, ao mesmo tempo que esses tão belos sonhos floresciam no seu coração, uma erva daninha também se enraizou: as suas expectativas. 

Ela entendeu, então, que amor e expectativa não são uma boa dupla. Que um corrói o outro, criando o maior pesar que podemos suportar: o apego. Se o amor liberta, o apego aprisiona.

Depois de ler vários livros de autoconhecimento, a Gabi sabe que diversos “gurus” estão há décadas tentando explicar a diferença entre o amor e o apego. Mas dentro dela era impossível discernir uma coisa da outra.

Pois é… O Rafael lhe ensinou o melhor do amor, mas, no fim, ele também apresentou seu lado mais sombrio. Aí ela aprendeu sobre a dualidade do sentimento e sua natureza selvagem.

Percebeu que o amor é nascer do sol quente, brilhante e suave, mas também pode ser noite fria, escura e umbrosa. O amor é capaz de curar e dilacerar ao mesmo tempo, viver e morrer.

Foi com o Rafael que a Gabi entendeu que o amor tem poder de transformar as pessoas das mais admiráveis às mais tolas. E é assim que ela se encontra agora: embriagada pela mesma nascente que um dia foi fonte de vida.

• Será que ela passou do ponto? Se perdeu no caminho? Mergulhou fundo demais que nem consegue enxergar a superfície?

As emoções ficaram tão confusas que a lembrança do casal que um dia foram, fica difícil de se imaginar.

Mas são em momentos banais, quando aquela música que jamais faria parte do seu repertório toca no aleatório do seu Spotify, que ela se lembra que sim, aquele amor realmente existiu.

Como pode a mesma raiz desabrochar flor e praga? Serenidade e fúria? Sonho e desilusão?

Ele a colocou em um pedestal, onde foi possível enxergar a mais bela das paisagens. Mas, agora, a Gabi precisa aprender a descer e construir o seu próprio mirante.

• Mesmo na dor da ausência, o amor pela vida ainda existe nela. Ele é a luz em meio ao lodo que ela criou sozinha, com suas próprias desilusões.

Por mais belo e absurdo que seja, o amor do Rafael ensinou pra Gabi que nada é certeza, tudo é oceano: raso e profundo, calmaria e maremoto, clareza e mistério.

Fonte e imagens: The stories  / Reprodução 




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