domingo, 10 de março de 2024

Porta dos fundos

Se a paixão chega arrebentando o portão da frente, o amor aparece de mansinho pela porta dos fundos.

Bilhete


Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Conhecido como “poeta das coisas simples”, Mario Quintana se tornou uma das maiores vozes da literatura nacional pelo seu jeito acessível, doce e leve de escrever.

• Passando longe da representação ardente de amor do Vinicius de Moraes, Quintana tinha um jeito mais calmo de enxergar a vida.

Inclusive, no poema transcrito, o seu título já passa uma imagem inocente de “bilhetinho de amor”, indo contra as paixões arrebatadoras que costumam ser glorificadas nos filmes e livros.

Na mesma linha, ao dizer que precisa ser “amado baixinho”, ele passa a ideia de que o relacionamento deve ser vivido a dois — sem declarações de amor em público ou posts no Instagram.

Pela sua perspectiva, o sentimento amoroso tem que surgir “bem devagarinho”, já que a confiança, a intimidade e os laços entre duas pessoas são construídos com muito tempo e dedicação.

• Depois disso, de modo quase contraditório, ele lembra que a vida é efêmera — e o amor mais ainda —, mas não defende a ideia de agir no impulso.

Considerando essa brevidade, Quintana acredita que o amor deve ser levado com cuidado. Mas, pra não cair na rotina, a gente finaliza com a Martha Medeiros: “pode chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir”.

Calmaria
(Baseado em uma história real)


A Priscila já foi casada por 17 anos. Já namorou, morou junto e viveu relações muito intensas. A maioria não foi lá muito boa — impressionante como a gente repete padrões na vida, né?

• Depois de olhar muito pra dentro, aos 43 anos, ela decidiu agir diferente: chega de procurar.

A partir dali, seu foco seria viajar, cuidar da sua filha e explorar cada vez mais a tal da solitude, que ela ouviu dizer que é um termo poético pra quem não tem medo de ficar sozinho.

Nessa de “ficar sozinha”, o Renné seguiu ela no Instagram, e começou a puxar papo pelo direct.

Como já eram do mesmo círculo de amigos, muita gente falou pra Priscila que eles tinham “tudo a ver”, mas ela estava decidida: não queria perder tempo se envolvendo com ninguém naquele momento.

O Renné foi de mansinho, observando com precisão tudo que ela gostava, e não economizou nos convites: chamou pra restaurante, pra ir no cinema e até pro Cirque du Soleil.

• A Priscila confessa que achou esquisito, mas resolveu dar uma chance e aceitar um convite pra jantar.

O Renné apareceu com um buquê de girassóis — suas flores preferidas — e ela percebeu que aquilo ali não era estranho. Na verdade, estranho mesmo é só se interessar por quem não gosta da gente.

Desde que se conheceram, a Priscila descobriu o que era viver um relacionamento leve e conta que aprendeu duas coisas.

A primeira é que o amor se constrói no dia a dia, com pequenos gestos, como o copo de água com limão de manhã, a xícara de café quentinho, a cama arrumada e o beijo de boa noite.

O levar, o buscar, a companhia na caminhada, na corrida e na meditação. O abraço que acolhe, o prazer da entrega, o cumprir o que se promete. 

• Pra ela, hoje, amar é ser fiel e leal aos seus próprios sentimentos. Antes de falar do outro, amar é um compromisso consigo mesmo.

A segunda coisa que ela aprendeu é que o que é nosso de verdade vem ao nosso encontro na hora certa, não é preciso procurar.

Mesmo de longe, o Renné já admirava a Priscila. E, desde que se conheceram, ele ficou atento a tudo: seus pontos fortes, suas fraquezas, seus gostos, seus desejos e sua essência.

Com essa admiração, ele ganhou o amor dela e continua a ensinando, todos os dias, que uma relação não se constrói por demonstrações de afeto em público, mas nos pequenos grandes gestos da rotina.

• Hoje, a Priscila diz que o amor que vem pra ficar não é aquele que arrebenta a porta da frente, entra com tudo e sai pra não voltar.

Em suas palavras, “o verdadeiro amor é o que se constrói, que entra de mansinho pela porta dos fundos. É um sentimento gostoso, maduro e leve, que espera sem pressa a hora certa de ficar”.

Texto e imagens: The stories/Reprodução 

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