segunda-feira, 4 de maio de 2020

Quando eu morava em São Luís eu vivia em bolhas.

Falando especificamente dos últimos anos, o meu mundo começou a se estreitar e as relações sociais estavam muito ligadas aos meus trabalhos, amigos da faculdade que se tornaram amigos para a vida toda e os velhos amigos de infância do interior.

Existem muitos outros mundos vividos por mim, é claro, mas para efeito comparativo, esses três já valem para esse breve texto.

A minha vida era dividida em uma parte pobre, incluindo família e amigos do interior e uma parte, digamos, mais glamourosa: a dos amigos da cidade e do trabalho. Era incrível a divisão de mundos. De bairros. De festas. De conversas e de interesses. Isso sempre fez de mim uma pessoa muito rica, muito atenta aos sinais e muito razoável (óbvio que esse último adjetivo é um elogio de mim para mim, que você tem o direito de discordar).

Sempre morei na periferia da Ilha de Upaon-Açu e meus amigos em bairros de classe média ou classe média alta. Parte do meu mundo tinha perfumes caros e comidas boas. Novidades vindas do sul e sudeste, da gringa, de pessoas de fora. A outra parte era simples, de tomar café na feira, de festas bagunçadas e de gente com casa de palha.

Eu saía para trabalhar e entrava num portal imaginário que me transportava do meu mundo de gente simples, para um outro mundo com outros interesses. Sempre consegui viver nessa dualidade, nunca achei que isso fosse um problema, principalmente porque sempre fui muito querida em todos esses ambientes, modéstia à parte. 
Quando vim morar em São Paulo, cheguei como qualquer pessoa que não é daqui: achando que conhecia a cidade porque já tinha vindo algumas vezes passear ou namorar e o choque foi e continua sendo enorme. 

Excetuando as pessoas muito muito ricas de São Paulo, que não são capazes de ver um palmo à sua frente (como a grande maioria das pessoas muito ricas em qualquer lugar do planeta) e vivem em bolhas translúcidas respingando neon, uma pessoa de classe média paulistana consegue transitar em várias bolhas num só dia sem nem perceber.

Para ir ao trabalho, basta usar o transporte público para entrar num universo multicanal e plural cheio de gente das mais variadas etnias, origens, condições sociais e histórias de vida. Cada um ali dentro carrega um legado e verdades. Não há nenhuma bolha instalada ali (obviamente estou falando do metrô que interliga as diversas zonas da grande São Paulo). Você vê facilmente a diversidade de histórias apenas percebendo as pessoas. Com o tempo e com observação diária é possível entender pequenos grupos, mas uma bolha, como aquelas que eu já vivi, não é possível numa cidade infinita e com a carga emocional de São Paulo.

A mesma pessoa entra e sai de diversas bolhas ao longo de um dia e isso faz muita diferença no seu comportamento com outras pessoas, em como em 2020 consegue se socializar e externar sua opinião. Quanto mais diverso, mais rico você se torna.

Estourar as bolhas é necessário mais do que nunca. As redes sociais que deram voz a diversas bolhas reprimidas, consegue às vezes, fazer você sair de uma e perceber que aquela não era legal.

Estar numa bolha às vezes é transitório. 

Se você está em uma, tudo bem. Apenas aceite a possibilidade de estourá-la qualquer dia desses.

Pode ser bom.

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