terça-feira, 21 de setembro de 2021

Dra Andréa Ladislau

Psicanalista

Muito triste a notícia que chegou essa semana da fronteira do México com os Estados Unidos relatando o horror vivido por uma brasileira de 49 anos, que morreu de sede e fome, se rastejando pelo deserto na travessia na tentativa de entrar irregularmente na América.

Uma morte trágica, como tantas outras que já aconteceram ao longo de anos, com brasileiros e outros imigrantes, tentando conquistar seu espaço em outro país, acreditando na busca por encontrar melhores oportunidades na vida, com a bagagem carregada de sonhos e desejos. Mas o que leva essas pessoas a se arriscarem em uma aventura tão perigosa, sem garantias, colocando em risco a própria vida?

Como fica o estado psicológico de quem não obtém êxito? Quais os desafios culturais e emocionais de quem consegue vencer os obstáculos da ilegalidade para se instalar em outro país? Quais são os principais desafios emocionais envolvidos nesta batalha?

A brasileira em questão, conforme informações da família, tentava pela segunda vez se estabelecer nos Estados Unidos, motivada por estabelecer-se financeiramente para pagar os estudos das filhas no Brasil, além de superar a separação do marido. Mas, em geral as imigrações costumam acontecer quando há algum tipo de insatisfação desencadeada na região de origem, seja ela pessoal, como o desejo de contato com uma nova cultura ou ânsia por liberdade e melhores oportunidades no exterior. 

Mas estudos mostram que implícito nesta busca está o sofrimento psicológico.

Esse indivíduo, normalmente, se lança no desconhecido deixando sua pátria, no desejo de concretizar um projeto de vida. Existe uma necessidade real de deslocamento em busca de um local seguro para se viver.

Porém, sentimentos de angústia, desamparo, insegurança, picos de tensão, ansiedade, depressão, desejo de pertencer, mal-estar pela ruptura vividas, com: família, amigos, cultura de origem e valores primários, começam a fazer parte e acompanhar esse sujeito de forma psíquica.

Não podemos deixar de citar a fragilidade do estado de saúde mental desses imigrantes ilegais, em todos os momentos da tentativa de estabelecimento em um outro país.

Muitos relatam violência, extorsão por parte de “coiotes”, fome, preconceitos por serem estrangeiros, abusos por parte dos nativos da região de destino, descriminação social, grande dificuldade de se proteger e projetar-se em uma comunidade estrangeira, barreiras de linguagem e comunicação, falta de tempo para elaborar e passar pelo processo de luto (separação da família, por exemplo), além da insegurança em serem descobertos pelas autoridades, levando-os a serem presos ou deportados para o país de origem.

Diante de todo esse cenário, destacam-se como principais sintomas vividos em torno dessa experiência: a tristeza, a solidão e a angústia; variáveis sociais relacionadas ao sofrimento, como a discriminação racial e a pouca possibilidade de retorno ao país de origem e ainda, as estratégias protetivas disponíveis no psiquismo para enfrentar a dor.

Transtornos pós-traumáticos também podem surgir quando esse indivíduo consegue entrar no país de destino, permanecendo ilegal por muito tempo. A insegurança em ser descoberto, os momentos de horror vividos no período da travessia pelo deserto, somam e geram um abalo psicológico significativo, levando à depressão e até ao pânico.

A tristeza, a angústia, a preocupação excessiva, as lembranças, as ideias de morte, a insônia e a solidão juntam-se a queixas psicossomáticas, como: dores de cabeça constantes, reações intestinais, dores musculares intensas e permanentes, distúrbios alimentares, rigidez de humor, complexos de inferioridade, baixa autoestima, ansiedade e descontrole emocional.

Em resumo: sintomas característicos que surgem como resposta à falta de esperança com o futuro, tendo em vista os duros desafios ao longo do processo de integração a uma nova cultura. Além disso, os sonhos de conquistar o mundo e se estabelecer com sucesso, colocando em prática seu projeto de vida, entram em conflito psíquico com os gatilhos acionados pelos momentos difíceis e sofridos, demandando, quase que de forma instintiva, uma necessidade absurda de acolhimento na busca por confiança e segurança.

Ou seja, um verdadeiro estado de vulnerabilidade emocional se estabelece desenvolvendo quadros de traumas e sofrimento, abalando a coerência e a identidade fragilizada do indivíduo, que entra em conflito consigo mesmo pela continuidade de seu projeto de vida. Até porque, não se deve esquecer que antes de se tornar um imigrante ilegal, essa pessoa possuía uma profissão, pertencia a um núcleo familiar, desempenhava algum tipo de papel social no ambiente originário, com reconhecimento de seus direitos como cidadão.

No entanto, ao optar por viver irregularmente em outra nação, vai experimentar a invisibilidade social, reforçando o isolamento através de sensações de impotência e fragilidade.

Fatos que revelam uma realidade clássica: O sofrimento psíquico, quando impossibilitado de ser expresso pela palavra, faz com que o corpo sofra como forma de exteriorização de um processo interno; uma forma de expressar o conflito psíquico diante da ausência das ferramentas simbólicas para encontrar soluções para seus medos inconscientes. Uma vez que, a instabilidade é um dos fatores que impossibilita o sujeito de se projetar no futuro e pensar a própria continuidade de sua existência.

Se conseguir passar pela dolorosa e cruel travessia ilegal no deserto é importante que esse indivíduo possa encontrar acolhimento com possibilidade de uma escuta qualificada, objetivando sanar o sofrimento, promovendo o entendimento correto dos diversos fatores envolvidos no processo de saúde e adoecimento mental provocados por essa grande aventura, já que ele esperava encontrar facilidades na concretização de seus sonhos e projetos idealizados.

É preciso fortalecer a resiliência, a esperança, a autoestima, o desejo de viver e a construção do ânimo para continuar lutando pela realização de seus propósitos.

Enfim, somos movidos por nossas escolhas, nossas vontades e aspirações de vida. Como explicitado por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, somos seres desejantes e estamos sempre em busca de algo novo que fomente nossa pulsão de vida. Escolhas arriscadas como essa de adentrar irregularmente em outro país, através de travessias perigosas que colocam em risco a vida do indivíduo, devem ser muito bem avaliadas e ponderadas.

Levando em consideração a individualidade e colocando na balança tudo o que já se conquistou ao longo da trajetória de vida, todas as perdas que podem surgir a partir desta escolha. Afinal, adentrar em um outro sistema cultural, ilegalmente, não é uma tarefa fácil.

Deve-se provocar a reflexão para trazer à tona o autoconhecimento que permita avaliar suas conquistas reais, onde se quer chegar, quem se é e o que é mais precioso em sua rotina de vida, buscando cautela para não estabelecer uma ruptura expressiva de seus quadros de referência, de sentido ou de pertencimento. Pois, as rupturas envolvidas na imigração são inúmeras (família, trabalho, amizades, língua, regimes sociais, memória afetiva e social) e podem trazer reflexos positivos ou negativos, tanto físicos quanto emocionais.

Desafios imensos que estimulam e geram dúvidas crescentes, como: vale a pena passar por tudo isso e se arriscar, podendo perder a própria vida? Apesar de todos termos o direito de ir e vir, a qualidade de vida, o bem-estar físico e emocional devem estar sempre em primeiro lugar, no momento de fazer escolhas.

Informação: Assessoria de Comunicação

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