terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Leia o artigo de Julio Berdegué, representante regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), publicado no jornal Folha de S.Paulo em 06 de dezembro de 2021. 

A fome na América Latina e no Caribe atingiu seu ponto mais alto em 20 anos. E a insegurança alimentar afeta 4 em cada 10 pessoas.

Esses são apenas dois dos sinais de alerta emitidos pelo novo relatório de cinco agências das Nações Unidas. O Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutricional mostra uma situação muito grave: 60 milhões passam fome, 267 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar moderada ou grave e 106 milhões vivem com obesidade.

Sem dúvida, a pandemia de Covid-19 é parcialmente responsável pela deterioração da segurança alimentar dos países: em 2020, o número de pessoas com fome na região aumentou 30%, um salto nunca visto antes.

Além disso, devido ao aumento da pobreza, queda da renda, inflação e alta dos preços dos alimentos, milhões de famílias estão tendo que optar por dietas mais pobres e menos nutritivas, o que está afetando seriamente a segurança alimentar e a qualidade de vida.

Mas mesmo que a pandemia tenha, sem dúvidas, provocado um efeito, a fome na região vem crescendo há anos: o número de pessoas com fome avançou 79% desde 2014, um aumento de 26,5 milhões de pessoas.

A América Latina e o Caribe continuam a ser a região do mundo onde é mais caro comer saudável: com isso, não devemos nos surpreender com o fato de que 1 em cada 4 adultos vive com obesidade, e que o sobrepeso infantil tem aumentado há duas décadas.

E como sair dessa dinâmica? Sem dúvida, parte fundamental da solução é incluir a segurança alimentar como um objetivo importante das estratégias e políticas com as quais os países buscarão se recuperar da crise social e econômica gerada pela pandemia.

A luta pela segurança alimentar exige mais empregos e maior renda do trabalho, principalmente para os setores mais vulneráveis. Como a recuperação da pandemia será desigual entre países e grupos sociais, devemos manter e fortalecer os programas de seguridade e assistência social criados durante a pandemia, com foco nas famílias mais pobres e em todos os trabalhadores informais que perderam por longos meses suas fontes de renda, até que essas famílias recuperem seus níveis de renda anteriores à crise de saúde.

A recuperação exigirá investimentos públicos e privados voltados para a solução das fragilidades estruturais que foram expostas pela pandemia, já que esta não será a última vez que teremos de enfrentar desafios semelhantes: os mercados atacadistas devem ser resilientes a esses tipos de impactos, e a agricultura familiar, as pessoas que trabalham de forma assalariada na agricultura e no agronegócio devem poder contar com assistência social. Precisamos fortalecer os mercados locais, tanto no campo quanto nos bairros das cidades, de forma a garantir canais de distribuição de alimentos saudáveis e de alta qualidade nutricional, mesmo em momentos de grande crise e estresse social.

Se não desenvolvermos sistemas agroalimentares mais eficientes, resilientes e inclusivos, não seremos capazes de enfrentar desafios como o aumento dos preços internacionais dos alimentos e o aumento do custo dos insumos agrícolas e fertilizantes. Esses são fatores globais que estão além do controle dos governos nacionais: enfrentá-los requer investir e aumentar a eficiência de nossos sistemas alimentares, a fim de repassar essas eficiências aos produtores e consumidores.

Vimos como os governos se mobilizaram para agir contra a pandemia. Precisamos urgentemente de uma vacina contra a fome e a desnutrição.

Esta vacina é a transformação dos sistemas agroalimentares para torná-los mais eficientes, resilientes, inclusivos e sustentáveis, garantindo melhor produção, melhor nutrição, melhor ambiente e melhor qualidade de vida.

* Julio Berdegué, representante regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) 

Informação: Nações Unidas 

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