sábado, 7 de fevereiro de 2015
(Por Josie Jerônimo - www.istoe.com.br)
"Acabamos com as quadrilhas que operavam no governo do
Maranhão"
Governador Flávio Dino diz que não foi possível corrigir em
30 dias os erros cometidos pelo clã Sarney durante 50 anos, mas garante ter
acabado com o nepotismo no Estado e promete que ninguém no novo governo
assaltará o erário público
DE VOLTA PARA O FUTURO
Comunista repete Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de FHC:
"No Brasil até o passado é imprevisível"
Não bastasse o rombo nas contas públicas deixado pela
antecessora, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), deparou-se com mais
um grave e surpreendente problema administrativo, ao encerrar seu primeiro mês
de mandato: a ex-governadora Roseana Sarney não quitava as despesas com energia
dos órgãos públicos havia meses e o Estado deve R$ 30 milhões à companhia
elétrica. A pendência se soma à dívida de R$ 1,1 bilhão herdada do governo
anterior que, aos poucos, será equacionada, segundo afirmou Dino em entrevista
à ISTOÉ. “É impossível que a gente corrija em 30 dias tudo de errado que
fizeram em 50 anos. De qualquer forma, acabamos com o nepotismo e não há
ninguém no governo ocupado em assaltar o erário público”, salientou o novo
governador.
"O que for estritamente pessoal na Fundação Sarney não
interessa para a manutenção com dinheiro público.
Ele pode fazer um memorial privado"
Sobre o cancelamento da obra da Refinaria Premium I, muito
criticada pela oposição, Dino atribuiu a culpa ao ex-ministro de Minas e
Energia Edison Lobão e ao seu padrinho José Sarney e lembrou da relação deste
com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, partícipe e delator do
esquema de desvios na estatal. “Sabe Deus o que está enterrado nesse buraco da
refinaria, boa coisa não é. O intermediário dos negócios com o governo do
Maranhão era o notório e notável Paulo Roberto Costa. Era ele que vinha aqui.
Em todas as fotos da refinaria, com Roseana, com Sarney, com Lobão, está o
Paulo Roberto Costa.”
"O intermediário dos negócios com o governo do Maranhão
era o notório e notável Paulo Roberto Costa. Era ele que
vinha aqui"
ISTOÉ - Um mês de governo foi
tempo suficiente para o sr. conhecer a real situação do Estado?
FLÁVIO DINO - Há uma frase atribuída
ao ex-ministro Pedro Malan que se aplica à realidade em que a gente se
encontra: no Brasil até o passado é imprevisível. Toda semana é uma surpresa.
Na terça-feira nós descobrimos que a conta de energia elétrica dos órgãos
públicos não estava sendo paga havia vários meses, uma dívida de R$ 30 milhões.
Não houve uma transição organizada: no meio do processo a governadora Roseana
Sarney renunciou. Então, o que nós apuramos até aqui são débitos da ordem de R$
1,1 bilhão. Nós fizemos uma economia rigorosa de custeio, seguramos a abertura
do Orçamento e estamos lutando para atualizar esses débitos passados, sobretudo
com os servidores e prestadores de serviço. As dívidas inadiáveis, como o
empréstimo que Roseana havia feito com o Bank of America, uma parcela de R$ 110
milhões, nós pagamos neste mês.
ISTOÉ - Antes de assumir, o
sr. impediu sua antecessora de fechar um contrato bilionário de terceirizados
para os presídios. Qual foi a alternativa para lidar com a falta de
funcionários?
FLÁVIO DINO - Vamos substituir os
terceirizados por trabalhadores temporários. Mesmo pagando um salário maior, o
Estado terá uma economia anual de R$ 20 milhões. Isso mostra que a
terceirização é ineficiente. O passo seguinte é fazer o concurso ainda neste
ano para preenchimento dos cargos de agente penitenciário. Esse é o primeiro
desafio; o segundo é ampliar e melhorar os presídios. Encontramos as obras de
unidades prisionais paralisadas, porque elas haviam sido contratadas com base
em situações de emergência que foram decretadas no auge da crise. O presídio
Timon era para ter sido concluído em outubro; o de Imperatriz, em setembro. As
obras não foram concluídas. Um caminho jurídico para dar sequência às obras é a
assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
ISTOÉ - Por que os órgãos de
controle do Estado não detectaram as irregularidades nas contas públicas
durante o mandato de Roseana Sarney?
FLÁVIO DINO - Os mecanismos de
controle interno, externo e as ações do Ministério Público sempre foram muito
frágeis, de baixa eficácia. Estamos tentando redesenhar esses mecanismos. O
governo procurou o Tribunal de Contas do Estado para fazer o treinamento dos
novos servidores. Estamos apurando e encontrando absurdos. Vamos provocar o
tribunal de contas, o Ministério Público. Vamos enviar tudo para que eles tomem
as providências que considerarem necessárias. Há casos de total afronta à lei
de responsabilidade fiscal.
ISTOÉ - O sr. recebeu
críticas pela composição do secretariado. Existem parentes e apadrinhados em
seu governo?
FLÁVIO DINO - Não há nenhum parente
meu em nenhum cargo até o 20º grau, rigorosamente nenhum. Em relação aos
secretários, o que aconteceu é que nós estamos formando equipes. As pessoas
citadas como aliados são servidores de carreira de vários órgãos. O caso em que
mais bateram foi o da chefe de gabinete do governador. Ela é dirigente do PCdoB
há 20 anos, foi dirigente do sindicato e coordenou minhas campanhas desde 2006.
É professora concursada. Ela atualmente tem relação afetiva com outro
secretário. É a mesma situação da ministra Gleisi Hoffmann com o ministro Paulo
Bernardo. Eu não posso punir o amor, não posso controlar a vida afetiva das
pessoas. Ele a nomeou? Não, fui eu quem nomeou. Não há nenhuma violação legal.
Há uma tentativa dos nossos antecessores de buscar nos igualar a eles. Eles
dizem o tempo todo: nada mudou. Mas o povo está vendo, não há nepotismo no
Maranhão, não há ninguém no governo ocupado em assaltar o erário público, essa
é uma grande mudança. Acabamos com as quadrilhas que operavam no governo do Maranhão.
Nós pegamos o portal da transparência com 40% de gastos secretos e estamos
refazendo o sistema. Eles estão nos acusando de deixar o portal fora do ar
durante a troca da metodologia. Mas nós estamos corrigindo uma fraude. Eles
cobram, mas é impossível que a gente corrija em 30 dias tudo de errado que
fizeram em 50 anos.
ISTOÉ - O cancelamento das
obras da Refinaria Premium I trará prejuízos ao Maranhão?
FLÁVIO DINO - A refinaria é uma boa
ideia mal executada. Que o Brasil precisa de mais refinarias não há dúvida. Que
é justo e necessário que essas refinarias sejam construídas nas regiões Norte e
Nordeste é indiscutível. O principal produto do complexo portuário é
combustível. O Maranhão é um grande distribuidor de combustível para o Norte e
o Nordeste, é um entreposto. Temos necessidade de refino, porto, ferrovias e
rodovias. A própria localização geográfica do Maranhão é estratégica, pois está
no meio do caminho, tem acesso direto ao Centro-Oeste via ferrovias. São muitas
vantagens técnicas.
ISTOÉ - Então, por que o
projeto fracassou?
FLÁVIO DINO - O problema foi a
apropriação eleitoreira, a agonia do Edison Lobão e do José Sarney quando eram
ministro de Minas e Energia e presidente do Senado. Forçaram a mão para que o
projeto da refinaria saísse de qualquer jeito, sem projeto, sem estudo técnico.
Deu no que deu. Agora eles estão querendo empurrar o problema para mim. Eu
tenho que salvar a refinaria do Maranhão. Eles me cobram todo dia. O Sarney fez
um artigo dizendo que o governo tem que se mobilizar. Claro que eu desejo que o
Maranhão receba uma refinaria, mas quem criou o problema foram eles. Que
resolvam. O certo é que enterraram R$
1,5 bilhão aqui e ninguém sabe como e por que agora há um vazio completo. Estou
esperando passar a situação de instabilidade institucional muito aguda da
Petrobras, que acabou resultando nesse anúncio da saída da Graça Foster. Estou
esperando as coisas se arrumarem para eu restabelecer um diálogo com a
Petrobras, em outras bases, em outros termos, dessa vez como uma coisa séria.
Não por acaso, o intermediário dos negócios com o governo do Maranhão era o
notório e notável Paulo Roberto Costa. Era ele que vinha aqui. Em todas as
fotos da refinaria, com Roseana, com Sarney, com Lobão, está o Paulo Roberto Costa.
Era ele o interlocutor, ele que vinha, ele que reunia, ele que anunciava. Sabe
Deus o que está enterrado nesse buraco da refinaria. Boa coisa não é.
ISTOÉ - O ex-presidente José
Sarney atribuiu os cortes de verbas na fundação que guarda seu acervo a uma
vingança. A instituição será fechada?
FLÁVIO DINO - O que a gente fez
emergencialmente foi reduzir os gastos. Havia um comprometimento com pessoal lá
que ultrapassava R$ 2 milhões. Reduzimos a folha. Agora estamos averiguando a
parte estrutural do prédio. O Convento das Mercês está com risco de
desabamento, várias partes estão escoradas. Não consigo entender como deixaram
um prédio do século XVII naquela situação. Estamos rediscutindo o modelo da
fundação. O que se referir ao mandato presidencial do senador José Sarney pode
integrar o acervo da fundação. O que for estritamente pessoal não interessa
para a manutenção com dinheiro público. Ele pode fazer um memorial privado,
custeado com dinheiro privado.
ISTOÉ - Qual é o futuro da
Fundação Sarney?
FLÁVIO DINO -
Nossa proposta é que
fiquemos responsáveis apenas pela guarda do que é estritamente relacionado ao
período presidencial. O passo seguinte é transformá-la em uma fundação de
memória republicana, e não no registro de passagem de um único político.
ISTOÉ - No Congresso, o sr.
ajudava nas articulações do governo. Como analisa a eleição de Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) para a presidência da Câmara?
FLÁVIO DINO - Menos problemas do
que se prevê. O governo continua a ter uma maioria folgada. A grande questão é
a gestão dessa maioria. Há alguns anos, o PT tinha uma visão de que a chave da
governabilidade é um duopólio PT/PMDB. Essa foi a estratégia do segundo mandato
do Lula e do primeiro mandato da Dilma. Os conflitos e dificuldades iniciais
mostram que é hora de uma visão mais aberta.
ISTOÉ - Com os desdobramentos
do escândalo da Petrobras, crises hídrica e energética e um inimigo no comando
da Câmara, o governo corre o risco de atravessar uma crise institucional?
FLÁVIO DINO - Crise institucional,
não. Passamos por muita coisa na superação da ditadura para a democracia. Está
muito claro que não há um cenário de impasse sem saída. A tendência é haver
algum tipo de rearranjo, pacto entre as forças políticas. A iniciativa de abrir
um diálogo com a oposição tem que partir do governo. A continuidade do clima do
segundo turno não ajuda para que os problemas da população sejam resolvidos.
Essa polarização sectarizada entre PT e PSDB não ajuda o Brasil. Essa é uma
briga paulista que acabou se tornando uma questão nacional de um modo, a meu
ver, muito artificial.
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