terça-feira, 8 de setembro de 2015
403 anos de São Luís, a cidade se agita e exibe um lado multifacetada. As vezes terno, outra rebelde, de repente se politiza, outra hora é um tanto quanto nostálgica, mas essa é a São Luís que conheci no final dos anos de 1970, do seculo passado e que desde então se mostrou muito controversa, mas, o que me marcou desde a primeira vista, foi a linguagem e a formas de falar. "hummm piquena, vou te da-lhe um bogue"

Não existe nada mais ludovicense, como o Centro Histórico, elevado pela UNESCO à condição de patrimônio cultural da humanidade, área, responsável direta pela atração dos turistas que se aventuram neste recanto do planeta. O acervo arquitetônico é magnífico, imponente, ímpar, e reflete um período áureo, no qual a capital maranhense foi capital do Maranhão e Grão Pará, a época da opulência dos ricos comerciantes que fizeram fortuna com o algodão e que produziu um dos momentos mais brilhantes da intelectualidade maranhense. 

É nessa fase que São Luís passa a ser conhecida por “Atenas Brasileira”. A denominação decorre do número de escritores locais que exerceram papel importante nos movimentos literários brasileiros a partir do romantismo. Surgiu, assim, a imagem do Maranhão como o estado que fala o melhor português do país. A primeira gramática do Brasil foi escrita e editada na cidade por Sotero dos Reis . Mesmo nos dias atuais a cidade ainda tem uma grande vocação natural para a literatura e poesia.

o outro lado dessa intelectualidade resultou numa linguagem própria, num especie de dialeto local, talvez a mais significativa maneira de identificar um ludovicense é pela forma de falar. nesse aspecto não existe controvérsia. A linguagem popular do Maranhão já mereceu estudos de vários autores. Cabe destacar, nesse contexto, o pioneirismo do pesquisador maranhense Domingos Vieira Filho, que foi grande conhecedor da história e do folclore maranhense. Embora com grande produção cultural, Vieira Filho ainda está com a sua obra a ser devidamente catalogada e publicada em livros, já que boa parte da produção do escritor se encontra espalhada em jornais e revistas.

Domingos Vieira Filho foi advogado, escritor, jornalista e professor do Departamento de Direito da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, presidente da Fundação de Cultura do Maranhão, diretor do Departamento de Cultura da Secretaria Estadual de Educação e Cultura, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, e membro da Academia Maranhense de Letras - AML. Publicou o livro “A Linguagem Popular do Maranhão”, no qual se encontram diversas expressões ainda hoje bastante comuns na linguagem coloquial maranhense. 

Dentre elas se destacam, por exemplo: sossegar o facho (aquietar-se), cheio de nove horas (pessoa complicada), dar um tiro na macaca (ir ficando sem casar), fala mais que a nega do leite (que não fecha a matraca), ficar com com cara de Nhô Zé (ficar desconcertado), dentre tantas outras. O escritor deu grande contribuição para a compreensão da realidade linguístico-cultural do estado.

Numa de suas obras, intitulada Populário Maranhense (bibliografia), que deixou inédito e que foi publicado em 1982, Domingos Vieira Filho enumera uma série de textos de vários pesquisadores que se debruçaram sobre a linguagem popular do Maranhão, dentre os quais Antônio de Oliveira, Clóvis Sena, Waler Spalding e Luso Torres, dentre outros. Na primeira de copas (na primeira oportunidade), a então Secretária de Cultura do Estado, Arlete Nogueira da Cruz Machado, publicou a obra do ilustre pesquisador. Domingos Vieira Filho faleceu cedo, deixando, desde o tempo da janambura (tempo antigo), outros livros ainda à espera de publicação.

Além de Vieira Filho, vários pesquisadores maranhenses já se debruçaram sobre a linguagem popular maranhense. Podemos destacar os trabalhos de Ramiro Azevedo, Maria do Socorro Monteiro Vieira e Elenice Vieira Melo, publicados entre as décadas de 70 e 80 do século passado.  Vale citar também um pequeno dicionário elaborado por José Raimundo Gonçalves, no qual o escritor enfeixou inúmeros termos e expressões maranhenses, sem que nos esqueçamos da lúcida contribuição do historiador Carlos de Lima, recentemente falecido, integrante da AML, que publicava semanalmente algumas pérolas sobre o nosso linguajar no jornal O Estado do Maranhão.

Mais recentemente, cabe destacar o trabalho desenvolvido através do Projeto ALIMA, desenvolvido pelos professores Conceição de Maria de Araújo, José de Ribamar Mendes Bezerra e Maria de Fátima Sopas Rocha, que estão contribuindo, no âmbito acadêmico para o entendimento de algumas expressões que se repetem na fala dos maranhenses. Há um ano, surgiu também um importante trabalho sobre a temática, com a publicação do livro “Na ponta da língua: palavras e expressões do vocabulário maranhense, de autoria de José Neres e Lindalva Barros (São Luís: Edição Virtual, 2011), que lista uma grande quantidade de expressões e de palavras de uso comum entre os maranhenses.

Apesar das pesquisas já realizadas, ainda existe um longo percurso a ser palmilhado pelos estudiosos sobre a linguagem popular do Maranhão, em razão da ampla contribuição das línguas faladas pelos povos formadores da nossa identidade cultural, destacando-se a contribuição indígena, africana e portuguesa.

Algumas expressões ou palavras do linguajar maranhense

NIGRINHA – Corruptela da palavra negrinha. Palavra geralmente usada como forma de ofensa.
OBRAR – Verbo utilizado como sinônimo de defecar.
PAIDÉGUA – Pessoa, coisa ou ação de grande valor.
PANDU – Mistura de farinha e café (que pode ser com ou sem leite), geralmente feita diretamente no copo. O alimento é bastante apreciado em algumas regiões do Maranhão.
PATACHO – Tipo de facão que tem a lâmina larga ou quadrada, muito usado por quem trabalha na roça.
PEBA – Além de referir-se a uma espécie de tatu, como foi nacionalmente divulgado pela música Peba na Pimenta, de João do Vale, a palavra peba também serve para designar algo ruim ou de pouca qualidade.
PÉ-DE-PANO – Amante.
PIQUENO/A – Corruptela da palavra “pequeno”. Geralmente essa palavra é utilizada como sinônimo de menino, menina, criança ou de pessoa desagradável.
PITÓ – Mecha de cabelo curto geralmente amarrado no topo da cabeça.
PUACA – Poeira bastante fina que costuma cobrir os móveis ou que fica suspensa no ar.
PULITRICA – Brincadeira. Malabarismo.
QUALHIRA – Palavra de origem incerta usada para designar o homossexual masculino.
QUILA – Mau cheiro exalado pelo corpo humano sujo.
RALHAR – Dar uma bronca em alguém. Reclamar de algo.
RI-RI – Arcaísmo formado a partir de uma onomatopeia. Sinônimo de zíper.
SABOEIRA – Palavra utilizada para designar a mulher homossexual.
SUDENGUE – Soco ou pancada aplicada em alguém, bogue.

(Texto original foi publicado na edição impressa do Jornal Cazumba)

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