domingo, 26 de novembro de 2017
A arte como elemento fundamental na formação do estudante de Medicina e como oportunidade de enriquecimento emocional e espiritual daqueles que já trilham a senda de Hipócrates: essa é a razão pela qual tenho tecido algumas considerações acerca do tema, que julgo como atual, principalmente nesta modernidade líquida, termo tão bem cunhado por Bauman. Aquele que abraça este ofício-sacerdócio não pode prescindir de um tempo para desfrutar de prazeres outros como a literatura, o cinema, a música e as artes plásticas.

Acerca da música, detém esta o poder de alegrar, emocionar e fazer com que desperte na memória do ouvinte sentimentos e lembranças. Não por acaso, em agosto deste ano, o VI Congresso de Humanidades Médicas, realizado em Brasília, incluiu em sua programação uma oficina denominada ‘Medicina e Música’, sugestão de um dos confrades da Academia Nacional de Medicina. Por uma feliz coincidência, creem os gregos que o deus grego Apolo  protege tanto a medicina como também a música.

Acredito que a boa música, que inclui letra e melodia sensíveis, criativas, bem elaboradas, tem o poder de transportar a alma humana para o plano do arrebatamento, que transcende ao mundo material. Já foi comprovado inclusive que a liberação de endorfina e serotonina tem relação direta com o ato de ouvir música. Como não se emocionar ao ouvir as notas que integram a bela “Carinhoso”, de Pixinguinha? “Oceano”, de Djavan? “Tocando em frente”, de Almir Sater? Falta espaço para divagar sobre o rico cancioneiro brasileiro.

A música inspira outras artes, que dela se alimentam para gerar novos prodígios. Um dos maiores artistas de todos os tempos, o pintor alemão Paul Klee, tem uma obra que inspirou diversos compositores. A obra se chama Polifonia e, à semelhança da escrita musical, estrutura a sobreposição de cores e formas, repetindo contrastes, revelando-se uma magnífica criação de poli cromatismo, o que em música tem como correspondente a atonalidade.  

O médico, aliás, já foi retratado por famosos pintores em diferentes versões. Quem não conhece o celebrado quadro do inglês Sir Samuel Luke Fields, que retrata um médico atento diante de uma  criança enferma? O pintor imortalizou a imagem daquele que oferta sua vida ao cuidado do próximo. Lição de anatomia do Dr. Van der Meer, título da obra de Van Mierevelt, datado de 1617, nos assombra ao constatar os passos de nossos antecessores deste sagrado ofício e que, a despeito de todas as limitações, se aventuravam para descobrir os segredos do organismo humano.

A visita do médico, de Frans Van Mieris, datado de 1657, retrata um médico e sua paciente num ambiente familiar e é um lembrete, para que não nos esqueçamos que, a despeito do avanço da tecnologia, o cuidado e atenção ao paciente devem ser princípios basilares de nosso trabalho.

Enfim, a arte nos proporciona crescimento mental e espiritual, pois se trata de uma das primeiras expressões da vitalidade da mente humana. Em suas diversas expressões, envolve sentimentos, ideias, imagens mentais, representações e símbolos que explicam um mundo transcendente que nos habita. A arte manifesta nosso sentido estético do mundo, registra nossa história e recria realidade. Enfim, nos permite ser profissionais melhores, mais compassivos e conscientes de nossa finitude.

Fonte: Artigo de Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-Reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA.

Foto: Divulgação/Internet

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