domingo, 4 de fevereiro de 2018


Por: José Lemos

Em 1962 o poeta popular maranhense João do Vale escreveu, em parceria com Helena Gonzaga, a bela música “De Teresina a São Luís”. Por aquela época o velho trem que ligava as duas capitais ainda era movido a lenha. Era o “Maria Fumaça”.

A regra era o trem sempre andar atrasado, porque a sua velha locomotiva experimentava panes constantes. Isso ficou registrado na obra prima de João do Vale, imortalizada na voz de Gonzagão. Claro, tendo a harmonia melódica comandada pela sua já então famosa sanfona. Os versos rimavam assim: “Peguei o trem, em Teresina / Prá São Luís do Maranhão / Atravessei o Parnaíba / Ai, ai, que dor no coração / O trem danou-se, naquelas brenhas / Soltando brasa, comendo lenha / Comendo lenha e soltando brasa / Tanto queima como atrasa...”

A poesia da música adentra por algumas das “Estações” mais famosas de então: Caxias, Coroatá... Caxias era a terra da minha mãe. Essas duas cidades, como quase todas em que a ferrovia se estendia, margeavam o nosso Rio Itapecuru. Os trilhos também passavam em pontes sobre o Rio. O velho “embuá” as atravessava indo e vindo de São Luís para Teresina. Infelizmente, eu não alcancei esta fase. Soube das histórias contadas pela minha mãe, uma Caxiense orgulhosa dessa condição.

No começo dos anos setenta, já universitário, eu tive o privilégio de viajar de trem fazendo o percurso até Caxias. Àquela altura, a velha locomotiva movida à lenha já havia sido aposentada. No seu lugar ficou uma possante máquina movida a óleo diesel. Era pintada de Vermelho, e se lia nas suas laterais: RFFESA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima). O “apito” que a maquina emitia era bom demais de ouvir.

As viagens que eu fiz com a mamãe ficaram no meu imaginário. A última delas foi por essa época do ano: em pleno período de carnaval. Rapazinho, eu vivenciei intensamente as festas às noites. Éramos uma turma de garotos e garotas da mesma faixa etária que tomávamos banhos deliciosos em “riachos” de águas cristalinas do delicioso “Riacho do Ponte” nas manhãs sempre muito quentes de Caxias.

No entanto o “progresso” chegou e a “inteligência” dos humanos, esses seres “privilegiados” que nasceram deste lado do planeta, fizeram desaparecer aquele trem de passageiros. E, mas tarde, a era FHC nos deixou como um dos seus legados o total abandono da ferrovia, que logo seria privatizada. Viajar de São Luís para Teresina a partir de então, somente seria possível em ônibus de carreira, ou em carros privados.

Nestas minhas férias eu não segui o roteiro descrito por João do Vale, mas tive sensações igualmente poéticas, lúdicas, leves e de grandes belezas naturais. Além de ter tido a oportunidade de conversar com gente simples e ouvir-lhes histórias e “causos”.

Em viagem intimista e imbuídos de espírito aventureiro eu e a minha mulher fomos e viemos de carro particular de Fortaleza a São Luís. Seguimos por uma rota que eu desconhecia e que pode ser chamada de “circuito de emoções”. Saindo de Fortaleza entramos na Rodovia CE-085 na direção de Camocim, a 350 km daqui. Rodovia segura, em boa parte já duplicada, com pouca circulação de caminhões.

Passamos em lugares muito bonitos como: Acaraú, Jijoca de Jeriquaquara... Vislumbramos um enorme parque de geração de energia eólica. Finalmente Camocim. Um paraíso que eu desconhecia. A “Praia dos Amores” que para ser alcançada precisa-se atravessar, de balsa ou de barco, um braço de mar, é um local em que tudo é afrodisíaco. E belo... A designação do local faz jus ao que vemos ali.

Dali, seguimos para Luís Correia, no Piauí, e alcançamos Tutóia, no Maranhão, próximo à fronteira com aquele estado. Sempre em estradas de excelentes qualidades, com pouco tráfego e sendo contemplados com belas paisagens.

Tutóia é um paraíso. O amanhecer ali é lindo demais. Ali a vida é intensa. O tempo transcorre lento... Há muitos pescadores que, cedinho, se aventuram em embarcações frágeis em busca da sobrevivência diária. Todos com muitas histórias e estórias para contar... É muito bom parar para ouvi-los e aprender com eles...

De Tutoia seguimos para São Luís, seguindo roteiro que passa em Paulino Neves. De Tutoia até a sede desse município são 29 Km de estrada excelente e paisagens exuberantes, que atingem o ápice nas proximidades da cidade, onde a natureza também foi por demais generosa ao esculpir enormes dunas de areia... O Éden deve ser um lugar parecido com o que há entre Tutoia e Paulino Neves...

Dali, seguimos para Barreirinhas. Entre Paulino Neves e Barreirinhas são 35 Km de estrada ainda em construção. O maior percurso ainda está coberto de “piçarra”. Descemos para São Luís, que está a 250 Km, aproximadamente dali.

Estrada excelente (apesar da existência de alguns buracos e do excessos de “quebra-molas”). Finalmente chegamos à cidade em que eu fui criança e adolescente. A cidade que foi importante na minha vida, que me recebeu quando eu tinha apenas oito meses e que me preparou para ganhar e conhecer o mundo... Literalmente.

Fizemos o mesmo percurso de volta... Cheguei revigorado, e com o sentimento de quero mais... Sugiro aos meus conterrâneos que, se tiverem a oportunidade, o façam. Vale muito a pena... Ficarão surpreendidos, positivamente, com o que verão nesse percurso entre os três estados: Maranhão, Piauí e Ceará. Lamento não ter o talento de João do Vale para transformar em música e poesia, o que vi nesses dias lúdicos.

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