quarta-feira, 27 de março de 2019
A pesquisa digital permite encontrar raridades como fotos autografados de astros do começo do século 20


No Dia Nacional do Teatro e do Circo, comemorado nesta quarta-feira (27), remexer nos arquivos da Fundação Nacional de Artes (Funarte), instituição vinculada ao Ministério da Cidadania, é colocar em circulação a memória dessas linguagens que ajudam a construir a identidade nacional. Inclusivas em sua essência, essas artes formam uma geração de artistas e espectadores capazes de transformar o Brasil em uma das nações mais plurais em linguagens artísticas do mundo.

O passeio pelos arquivos digitais reforça o quão o teatro e o circo são capazes de traduzir a complexidade do país continental. “Não há como pôr um valor nesse acervo. É incalculável. É possível, por exemplo, reconstituir a história da Escola Nacional do Circo, fundada há 37 anos, a partir desses documentos doados por professores e alunos, muitos filhos de famílias tradicionais de circo”, aponta Carlos Eugênio, diretor da Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha.


A Funarte tem como uma das missões a salvaguarda da memória das artes cênicas. Efêmeras em sua natureza, as sessões de teatro e o circo morrem no exato segundo em que as cortinas dos teatros se fecham e o picadeiro fica vazio. Vivido intensamente no aqui e agora, esse poderoso encontro entre artistas e plateia se fragiliza à medida que o tempo avança.

Para manter essas histórias no imaginário da nação, será preciso buscar os vestígios que sobraram. Fotografias, desenhos, documentos, recortes de jornais, anúncios e figurinos viram peças que remontam o delicado relicário das artes cênicas. “Quando essa geração de artistas e plateia morre, aquela experiência segue junto”, pontua Ginaldo de Souza, diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte.


O acervo de um ator impecável

Um dos últimos acervos doados à Funarte, o de Sergio Britto, trouxe consigo o inventário da extensa carreira do ator. Ginaldo de Souza conta o quão foi fácil disponibilizar os documentos do intérprete para a plataforma digital. “Ele catalogou tudo, cada item. Chegou praticamente pronto”. Na pesquisa, é interessante cruzar os arquivos de artistas contemporâneos e, assim, contextualizar uma época. O de Sergio Britto, por exemplo, conversa com o de Fernando Torres e de Fernanda Montenegro. Juntos, eles fizeram o Grande Teleteatro da TV Tupi, que reproduziu 400 textos no começo da tevê brasileira.


“Acabamos de dar autorização a atriz e pesquisadora Jalusa Barcellos para que ela possa estudar o acervo de Bibi Ferreira, que, uns seis meses antes de morrer, deu o direito para que Jalusa escrevesse a sua biografia”, revela Ginaldo.

As joias de Tônia Carrero


É formidável, por exemplo, estudar o acervo de Tônia Carrero. Acompanhar os caminhos que tornaram uma das maiores atrizes desse país. Essa preocupação com essa preservação por parte do artista e da família faz toda a diferença. Tônia doou sua coleção particular no início da década de 1980, quando estava no auge da carreira.

“Agora, a neta e atriz Luísa Thiré revive a mesma personagem que a avó no teatro (a prostituta Neusa Sueli, em Navalha na carne, de Plínio Marcos), e organizou uma belíssima exposição no foyer do teatro em Niterói. Assim, a arte de Tônia se perpetua e segue para as novas gerações”, aponta Ginaldo de Souza, também teatrólogo.


No acervo de Tônia Carrero, é possível localizar o dossiê de fotos de espetáculos como Calúnia, montado em 1960, no Teatro Ginástico (atual SESC Teatro Ginástico, no Rio de Janeiro), onde Ginaldo de Souza começou a carreira teatral com o histórico Teatro Jovem. As fotos revelam cenas da então polêmica peça de Lilian Helman sobre uma falsa relação amorosa entre duas professoras numa escola só para meninas. Calúnia estreou na Broadway em 1934, virou filme de Hollywood (Infâmia, com Shirley Maclaine e Audrey Hepburn) em 1961 e virou um estrondo nos palcos brasileiros.


No palco do Ginástico, Tônia aparece deslumbrante ao lado de uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos: Margarida Rey, esquecida na memória nacional por não ter atuado tão efetivamente em linguagens audiovisuais como televisão e cinema. “Esse acervo da Funarte é surpreendente. Há, sobretudo, a memórias de artistas que antecedem o surgimento da televisão, quando o teatro e o circo eram as grandes formas de entretenimento”, destaca Ginaldo.

Raridades autografadas


Astros de um tempo em que o teatro era feito de segunda a segunda, com até três sessões diárias, todas lotadas, os atores Jayme Costa e Leopoldo Fróes têm fotos autografadas no acervo da Funarte. No começo do século 20, Leopoldo Fróes se transformou num fenômeno de público. Peças, como Flores de sombra, de Cláudio de Sousa, teve mais de cem sessões consecutivas. Ao lado da atriz e esposa Lucília Peres, ele tornou-se tão popular que sua morte precoce aos 50 anos, em 1932, parou o país. Fróes foi um dos fundadores do Retiro dos Artistas.

Outra estrela dos palcos, Jayme Costa, que rivalizava comercialmente com Procópio Ferreira, tem fotos raras no acervo Funarte. Cômico e versátil, o ator lotava sessões nos teatros da Cinelândia nos anos 1940 e 1950, numa época em que ter uma companhia de teatro significava amealhar pequenas fortunas em temporadas emendadas de espetáculos. “Destaco também os acervos de Manuel Pêra e de Dulcina de Moraes, que foi uma das maiores artistas do século 20”, sugere Ginaldo.


Fácil de ser acessado, o acervo digital da Funarte traz ainda preciosidades da transição do teatro brasileiro para a modernidade (entre as décadas de 1930 e 1940), com o material precioso de Paschoal Carlos Magno, um dos maiores incentivadores das artes cênicas nacionais e criador do Teatro do Estudante, que revelou a era de ouro dos intérpretes brasileiros, como Cacilda Becker, Teresa Rachel, Cleyde Yáconis, Paulo Autran, Leonardo Villar e Sergio Britto. Nos documentos, é possível acessar um dossiê sobre a histórica montagem de Hamlet, que revelou o talento de um dos mais talentosos atores do seu tempo, Sérgio Cardoso.

As vedetes de Walter Pinto


O teatro de revista brasileiro que viveu o auge do luxo nas décadas de 1940 e 1950, sob o comando do empresário Walter Pinto, tem fotos e documentos que ajudam a constituir o poderio desse tipo de teatro. Há um curioso documento de pagamento de salários da companhia em que relacionam os salários de astros, como Costinha (Lírio Mario de Costa), e da vedete Íris Bruzzi.

Na metade da década de 1940, Walter Pinto faz uma parceria com o fotógrafo Themistocles Halfeld para uma série de fotos colorizadas que, hoje, viraram uma relíquia. As imagens foram expostas no foyer do Teatro Recreio e traz Dercy Gonçalves, Oscarito, Grande Othelo e Ankito em poses divertidíssimas, enquanto as vedetes surgem sensuais. É lógico que uma das imagens é do próprio Walter Pinto, considerado um galã dos bastidores.

Palhaços originais

O primeiro palhaço negro brasileiro e o criador do circo-teatro, Benjamim de Oliveira tem imagens raríssimas dentro do acervo Funarte. Completamente esquecido no imaginário da memória nacional, o clown tinha o Rio de Janeiro aos seus pés no começo do século 1920, quando montava de forma inédita dramas, comédias e operetas. Uma das fotos Benjamim surge ao lado de Polydoro, um dos primeiros palhaços brasileiros, que começou a itinerar pelo país em 1840.

Fonte: Cultura 

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