sexta-feira, 30 de agosto de 2019
Veja aqui porque São Luís - e boa parte do Maranhão - é mais Norte que Nordeste

Raposa/MA

Em tempos em que a Amazônia ganha todos os holofotes do Brasil e do mundo - por razões tristes - e se aproximando a data de sua comemoração - 5 de setembro - acho muito oportuno discorrer sobre esse assunto. 

A Amazônia deveria ser o maior orgulho do Brasil. A maior floresta tropical do planeta também é a de maior biodiversidade. A riqueza humana, cultural e étnica também é enorme.

Juçara (açaí) com camarão e farinh d'água 

Quando pensa na Amazônia, o brasileiro em geral fora da Região Norte a imagina como uma floresta intocada sem fim e pouco povoada, no Rio Amazonas e longínqua (sendo que ocupa quase a metade do país). Até na própria Região Norte, com exceção do Tocantins (onde menos de 10% é bioma Amazônia), principalmente em locais muito desmatados e muito povoados, algumas pessoas não tem consciência que estão na Amazônia. Da mesma forma, São Paulo é na Mata Atlântica e Brasília, no Cerrado, por exemplo.

Guarás

Na "periferia" da Amazônia, ou seja, na borda ou nos limites da floresta (que também estão entre os mais desmatados e povoados), esse desconhecimento (e falta de interesse) acentua-se. Maranhão, Tocantins e Mato Grosso compõe as margens do bioma, onde este entra em contato principalmente com o Cerrado, o segundo maior bioma sul-americano, depois da Amazônia. Aqui no Maranhão, 34% é Amazônia, incluindo a capital. Sim! Aqui é Amazônia!! Quando o maranhense se refere à Amazônia Maranhense  normalmente a chama erroneamente de "Pré-Amazônia" ou de Amazônia Legal, sendo que este último é um termo meramente político que ultrapassa os limites do bioma (82% do Maranhão é Amazônia Legal).

Boi de Maracanã

Todos sabemos que o nosso Maranhão (e o Piauí) se inseria na região Meio Norte. Hoje, politicamente, é Nordeste. Ainda que o certo seria ter se mantido como Meio Norte, nome este - ironicamente - mais usado e lembrado no Piauí, que é mais nordestino que o Maranhão. 

Parque Botânico da Vale

A nossa São Luís tem muitas riquezas e merecidamente um Patrimônio Cultural de valor universal. Dentre elas, o fato de ser - ao mesmo tempo - Norte e Nordeste, algo que pode passar despercebido para muitos nativos e visitantes menos atentos. A nossa identidade, com muitas coisas próprias e genuínas que só tem aqui, também se assenta nesse caráter híbrido: não tão a Norte e não exatamente Nordeste. 

Bacuri

No entanto, considero que a nossa cidade e nossa Ilha (e boa parte do Maranhão) SÃO MAIS AMAZÔNICAS QUE NORDESTINAS. Explico o porquê:

1) Não. Não estamos na Bacia Amazônica. Não temos acesso direto ao Rio Amazonas e seus afluentes. Estamos na Orla da Amazônia. Orla, nos dois sentidos: de litoral e nas margens/limites do bioma. No caso de São Luís, no extremo leste da Amazônia. Por bioma entende-se que a vegetação, fauna, flora e clima são de características amazônicas. Aqui é o Portal da Amazônia, no Nordeste e pelo litoral. A nossa floresta nativa é singular e só tem aqui no Maranhão. É a floresta amazônica periférica, de aspecto transicional. Não é a floresta amazônica típica. Conhecida popularmente como "pré-amazônica" ela se mostra mais estacional e mais aberta, com grande ocorrência de palmeiras de babaçu. No entanto, sua flora, fauna e sua fisionomia são mais amazônicos e não se enquadra no bioma vizinho, o Cerrado, ainda que possua algumas espécies dele. A Samaúma ou Sumaúma - a rainha da floresta e uma das árvores mais emblemáticas da Amazônia - é uma das espécies nativas mais queridas e marcantes em São Luís, onde "nordestinizamos" o nome e virou Barrigudeira. Por outro lado, algumas espécies bem características da região como a Castanheira e a Seringueira - por exemplo - são ausentes aqui e em todo o restante da Amazônia Maranhense, mesmo nas regiões mais a oeste do estado onde a floresta é mais tipicamente amazônica e mais densa. O nosso clima - de pluviometria abundante e de muita umidade - o que faz de São Luís uma das capitais mais chuvosas do país, é do tipo subequatorial, mesmo com o marcante regime estacional (duas estações bem definidas no ano, sendo que são apenas 4 meses com pouquíssima ou nenhuma chuva - um tipo de clima muito semelhante a de outras regiões da periferia da Amazônia). 

2) Nessa condição de litoral da Amazônia, a nossa paisagem costeira é sobretudo nortista. É onde o bioma Amazônia encontra o bioma Costeiro e o mar. Qualquer pessoa daqui que conhece as praias salgadas do Pará, sente grande familiaridade. A grande variação e amplitude de marés, a onipresença de manguezais exuberantes (50% dos manguezais do país estão no Maranhão e a maior floresta contínua de manguezais do planeta está no litoral maranhense e paraense) , muitos rios, estuários e igarapés, e a cor predominante turva do nosso mar exemplificam isso. A beleza tropical das nossas praias é diferente do restante do Nordeste. Chega a ser exótico pra quem vem de fora. Não é uma beleza tropical clichê. As nossas praias também são amazônicas. Até o costume de entrar nas praias com carros (as largas faixas de areia batida nas marés baixas o permite) e as barracas de praia palafitadas são marcas do litoral norte do Brasil. Enfim, aqui é MAR+AMAZON! 

3) Temos frutas nativas do Norte e do Nordeste, sendo que as consideradas mais típicas são as amazônicas: açaí (que chamamos de "juçara" - não confundir com a Palmeira juçara da Mata Atlântica que não ocorre aqui), bacuri, cupuaçu e abricó. A juçara (açaí) é uma fruta quase tão popular como no Pará. É consumida tradicionalmente como refeição e da mesma forma como é consumida na região norte. É tão própria da nossa cultura que ganhou uma festa só dela no bairro tradicional do Maracanã na zona rural da Ilha. 

4) O nosso sotaque é unico e sutil, tem uma "musicalidade" própria e não se enquadra em um sotaque tipicamente nordestino (e tampouco nortista). O típico falar Ludovicense, com um português claro e correto de acordo com as normas cultas da língua (infelizmente está se perdendo), se aproxima ao de Belém do Pará - herança lusitana - com o uso do pronome "tu" bem conjugado, porém sem "chiar" muito, como o de lá. Palavreado popular e típico em comum também nos aproximam como "égua(s)", pikeno(a), brocado, mingau de milho, xiri, "pior" etc.

5) Como bons nordestinos que somos, celebramos com muito entusiasmo o São João . Porém, o triângulo, a zabumba e a sanfona e as quadrilhas aqui perdem para o Bumba meu boi do Maranhão  - Patrimônio cultural do Brasil. Ainda que o folguedo tenha tido origem no Nordeste e se espalhado pro Brasil inteiro, o maranhense se diferencia de todos, é o mais rico culturalmente e foi o embrião da formação do Boi Bumbá nortista. Em meio a tantas outras manifestações da nossa cultura popular, o Bumba meu boi do Maranhão é a estrela maior, e confere ao nosso São João uma "cara" mais indígena e negra, longe do caráter sertanejo do São João do restante do Nordeste. 

6) Não temos tanta familiaridade com o típico sertão nordestino. Todas as outras capitais nordestinas estão próximas ao Semi Árido da Caatinga ou até dentro dele. O semi árido maranhense não é propriamente da Caatinga (é Cerrado e transição pra Caatinga. Apenas 1% do Maranhão é considerado Caatinga propriamente dito). É mais ameno e não é sujeito à secas dramáticas. O sertão e a caatinga são elementos que carregam muito do que é ser nordestino, da cultura do Nordeste, mesmo de quem não mora no sertão. Os cangaceiros de Lampião passaram por todos os estados do Nordeste, menos no Maranhão. E enquanto no resto do Nordeste a Zona da Mata é da Mata Atlântica, a nossa Zona da Mata é amazônica. 

7) A nossa história se confunde com a do Pará. Já fomos o Grão Pará e Maranhão com capital em São Luís e depois Belém. Um estado separado do Brasil. São Luís é a primeira ocupação européia na Amazônia (e onde começou a história da região) - ironicamente o mesmo local onde começa o bioma pelo litoral. A capital da França Equinocial poderia ter sido chamada capital da França Amazônica: Equinocial vem de equinócio, de equador, Equatorial. Daqui sairam as expedições francesas para a exploração do interior da Amazônia e depois as portuguesas para a ocupação do vale do Rio Amazonas e a fundação de Belém. A fauna e flora descritas pelos capuchinhos aqui na Ilha eram amazônicas a exemplo das ararajubas e dos guarás. Não a toa os Tupinambá apelidaram os franceses de "ajurujuba" (ou ararajuba) pegando como referência o que viam na natureza (espécie atualmente extinta na Ilha). O próprio nome "Maranhão" era o nome dado ao Rio Amazonas e até hoje um de seus afluentes. A língua geral amazônica (ou nheengatu) nascida da língua tupinambá, nasceu aqui e no Pará.  Das capitais próximas, a que tem mais familiaridade e ligação conosco é Belém. O Carimbó  tem raízes maranhenses na sua formação. Lá também cultua-se o Tambor de Mina com seus voduns e encantados, que foi daqui pra lá. Até os azulejos portugueses, uma marca daqui, também é uma marca por lá.  A nossa forte miscigenação portuguesa-indígena-negra tem eco por lá, ainda que a etnia negra africana tenha sido mais forte por aqui. E o apreço pelos ritmos caribenhos, que aqui sobressaiu o reggae, é outro ponto em comum. Costumo dizer que Belém é uma São Luís mais amazônica  e São Luis, uma Belém mais nordestina. São capitais suficientemente próximas pra ter semelhanças e suficientemente distantes pra ter, cada uma, sua forte identidade própria. 

Azulejos Portugueses

Tudo isso pra dizer que:

AQUI TAMBÉM É AMAZÔNIA!

E COM UM DIFERENCIAL: NO NORDESTE!


A Amazônia não é uma ilustre desconhecida de nós. Não é alheia e nem exótica. 

A AMAZÔNIA FAZ PARTE DE NÓS E DE BOA PARTE DOS MARANHENSES.

O MARANHÃO NÃO SERIA COMPLETO SEM SEU LADO AMAZÔNICO. 


Boi de Axixá

A Amazônia, assim como o Nordeste, faz parte de nosso DNA, da nossa geografia, das nossas paisagens naturais e humanas. Da nossa história e da nossa cultura. 

Praia do Araçagy

É importante despertar esse sentimento de amazonidade entre nós. Pois o de nordestinidade já está bem arraigado. Isso nos torna únicos e especiais, tanto em comparação aos vizinhos da região Nordeste como aos vizinhos da região Norte. 

Praia de Itaputiua 

POIS SOMOS AMAZÔNIDAS E NORDESTINOS AO MESMO TEMPO! ISSO REPRESENTA A ESSÊNCIA DO QUE É SER LUDOVICENSE, UPAON-AÇUENSE E MARANHENSE!

Para nós, reconhecer a IMPORTÂNCIA DA AMAZÔNIA VAI MUITO ALÉM DA ECOLOGIA: É RECONHECER A NÓS MESMOS! E NATUREZA, CULTURA E IDENTIDADE ANDAM SEMPRE JUNTOS! PRESERVAR A AMAZÔNIA É NOS PRESERVAR ENQUANTO SERES HUMANOS E MARANHENSES! E RECUPERAR A FLORESTA É RECUPERAR PARTE DE NOSSA HISTÓRIA E DE NOSSA IDENTIDADE! 

Reggae maranhense

E NESSE RECONHECIMENTO CHEIO DE AMOR PRÓPRIO, PROCUREMOS NOS APROFUNDAR E CONHECER PRA VALORIZAR E CUIDAR MAIS DO QUE É NOSSO: MAIS DE 70% DA FLORESTA AMAZÔNICA MARANHENSE ORIGINAL JÁ SE FOI,  num dos piores cenários ambientais do país! Ainda é tempo de revertermos esse quadro! 

Muito importante também é nos aproximarmos mais dos nossos vizinhos nortistas, dos nossos irmãos amazônidas pra estreitarmos os laços, trocarmos experiências  e nos conhecermos melhor. E para descobrirmos toda essa maravilha e toda essa riqueza que o restante da Amazônia Brasileira guarda, e que está sofrendo grandes ameaças! 


PRESERVE A VIDA! 

VIVA A AMAZÔNIA!

VIVA SÃO LUÍS! 

VIVA O MARANHÃO! 

VIVA O BRASIL! 


SÃO LUÍS É MARÁ+AMAZON! 

Por: Rafael dos Santos Marques
Maramazon Pousada e Turismo
www.maramazon.com

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