domingo, 1 de março de 2020
Cartazes e painéis de propaganda infestam as paredes de prédios históricos


Por: Paulo Melo Sousa

Embora seja possível verificar, nos últimos anos, um esforço com relação à recuperação de prédios por parte dos órgãos ligados ao setor, a demanda continua muito grande, sendo amargamente contabilizada uma perda considerável de exemplares arquitetônicos que desabam ano após ano na capital maranhense, levando com essa destruição perversamente anunciada pelo tempo uma parcela significativa da nossa história. Somado a esse problema, o descaso de muitos proprietários e a ignorância de boa parte da população, que não possui qualquer educação patrimonial, está poluindo, de forma cada vez mais ostensiva, as fachadas de prédios históricos de São Luís, emporcalhando com propagandas geralmente medíocres até as paredes decoradas com azulejos de procedência europeia.

O desrespeito ao patrimônio, contudo, não é privilégio dos dias de hoje. O célebre intelectual maranhense Antônio Lopes, por volta de 1930, veio a público denunciar a ação danosa dos vândalos de então. Naquela época, em artigo publicado no jornal “Diário do Norte”, Lopes advertia que era “preciso opor barreiras à destruição das casas de azulejos, o que impressiona muitíssimo. Não foi por outro motivo que um esclarecido viajante, ao denominar a nossa cidade de Ville aux petits palais de porcellaine, afirmou que, excetuadas Istaphan e poucas outras cidades da Pérsia, nenhuma outra possuía tantas casas de azulejos”. A princípio, os prédios de São Luís eram construídos em pedra e cal, e as fachadas eram então brancas, não eram coloridas.

A primeira notícia, mesmo assim questionável, dando conta do uso de azulejos por estas bandas é observada no livro “Crônica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão”, de autoria do padre João Felipe Bettendorf, quando ele, ao informar acerca da morte de um padre chamado Amodei, em 1647, nos diz que o dito cujo “foi sepultado na capela-mor da igreja velha do Colégio de Nossa Sra. da Luz do Maranhão, bem no meio da dita capela, debaixo da lâmpada, cobrindo-se aquela de uns azulejos em forma de estrela”. Por sua vez, José Antônio de Sousa, em “Aspectos do Comércio do Brasil e de Portugal no fim do século XVIII e começo do século XIX”, artigo publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 289, afirma que “chegaram a São Luís 107.402 azulejos de Portugal, a $ 040, em 1798”, ano em que o Maranhão importou esse tipo de material. Esses exemplares, contudo, foram utilizados apenas no interior das residências.

As paredes da discórdia 

O crescimento econômico do estado, que coincide com o chamado período da economia de mercado, surgiu a partir do início do século XIX. Para que se tenha uma ideia do processo, a capital maranhense, num período de apenas 50 anos, a partir de 1808, quase duplicou o seu número de casas, de 1.550 para 2.764 residências. A partir de 1825, a moda portuguesa de decoração de interiores com azulejos se disseminou, chegando a São Luís 18 anos depois. Conforme a arquiteta Dora de Alcântara, autora do livro “Azulejos Portugueses em São Luís do Maranhão”, por aqui “a mais antiga informação de venda de azulejos a cores é de 10.01.1843, na casa de Raimundo Carlos Ribeiro, na rua de Nazaré, nº 08. O azulejamento de fachadas, em São Luís, não deve ser anterior a essa época”. A técnica foi empregada tanto em novas quanto em antigas construções. 

A moda não teve apenas a característica da decoração, mas, também serve para amenizar o calor da cidade, de clima quente e úmido, no interior das casas, incorporando, dessa forma, a função utilitária. O legado do século XIX continua dando bons frutos a São Luís, que recebe anualmente milhares de turistas interessados na riqueza do nosso patrimônio. Contudo, a destruição de muitos prédios é permanente. Em 1959, arquiteta Dora de Alcântara contabilizou 270 fachadas azulejadas na cidade. Treze anos depois, em nova contagem, esse número baixou para 221 fachadas. Atualmente, menos fachadas resistem ao tempo, com perdas evidentes. O roubo de azulejos também é um problema sério a ser combatido; além disso, as pichações, colagem de cartazes nas fachadas e colocação irregular de placas de propaganda nos prédios históricos tombados são permanentes ameaças.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN possui normas que visam normatizar os painéis publicitários que atendam a interesse da preservação, tanto no que se refere à integridade física dos prédios quanto à visibilidade das fachadas, no sentido de se organizar a paisagem urbana. Deveria existir alguma lei municipal proibindo a colagem de cartazes nos prédios, com as devidas punições, para que se tenha um mecanismo de controle sobre tais abusos. Kátia Bogéa, Superintendente do IPHAN-MA, informa que o Decreto-Lei 25, de 1937, já aborda essa questão.

Na Constituição Federal, no seu artigo 216, lê-se que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, nos quais se incluem: V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico”. No inciso 4º, vê-se que “os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei”. A comunidade está à espera das providências cabíveis. Há muito tempo!

Texto Originalmente publicado na Edição 84 abril de 2011 do Jornal Cazumbá
f o t o : P a u l o M e l o S o u s a

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