1. Pagar
Um verbo cuja regência deixa muita gente boa de calças curtas é “pagar”, que tem dupla regência. Observe o exemplo abaixo, que ilustra como a maioria das pessoas usa erradamente o verbo “pagar”, mas que, de tão comum, essa infração passa despercebida:
— Meu Deus! Hoje é dia de pagar o colégio das crianças!
Quando alguém lhe disser isso, responda sarcasticamente:
— Que legal! Eu não sabia que você havia entrado para o ramo da educação.
Explicando: o verbo “pagar” requer complemento sem a preposição A se se referir ao objeto que vai ser quitado. A preposição só é necessária quando seu complemento é o destinatário do pagamento.
Você pagou o empréstimo? (o empréstimo = o que deve ser quitado)
Você pagou ao empresário? (ao empresário = o destinatário do pagamento)
Tenho de pagar ao banco hoje. (eu devo ao banco)
Tenho de pagar o banco hoje. (virei banqueiro após ter comprado um banco)
Você já pagou ao Bernardo? (Bernardo é o vigia do condomínio, a quem você deve remunerar)
Você já pagou o Bernardo? (Bernardo é um escravo que você, barão do século dezoito, comprou para ele trabalhar na sua lavoura de cana)
Você já pagou o mecânico? (errado)
Você já pagou ao mecânico? (correto)
Quando a Princesa Isabel decretou o fim da escravidão, acabava-se naquele momento a possibilidade de uma pessoa pagar alguém, pois os seres humanos deixavam de ser tratados como mercadoria. Quando fizer referência a pessoas, o verbo pagar sempre deve ser usado com a preposição A.
Pagarei Fernando amanhã. (errado)
Pagarei a Fernando amanhã. (correto)
No exemplo inicial (— Meu Deus! Hoje é dia de pagar o colégio!), significa que o interlocutor adquiriu um estabelecimento de ensino e precisa quitar o débito contraído. Agora, se seu filho for aluno da instituição, e ele precisa efetuar o pagamento da mensalidade (pagar a mensalidade), então o colégio será o destinatário do pagamento, portanto requererá preposição.
Meu Deus! Hoje é dia de pagar AO colégio das crianças!
No caso de transferências de jogadores entre clubes, o time adquirente tem primeiro de pagar o jogador (para o time cedente) e depois pagar ao jogador (mensalmente, uma vez que ele passará a ser funcionário do clube).
2. Constar
Como já mencionado em outra segunda-feira, os jargões profissionais se tornam lugares-comuns e, de tão arraigados na tradição linguística de seus usuários, fica difícil até de alertá-los. Entre esses jargões, vamos mencionar aqui um que infringe a regência do verbo "constar", muito comum na linguagem dos profissionais do Direito:
Meritíssimo, essa informação já consta dos autos.
Quando o verbo constar está seguido da preposição DE, seu significado é ser composto de, constituir, consistir:
A Câmara de Vereadores de São Paulo consta de 55 membros.
A diretoria da associação consta de sete pessoas da comunidade.
A Bacia Amazônica consta de um rio principal e doze afluentes.
Mas, se se deseja utilizar constar na acepção de "estar presente", o adjunto adverbial deve iniciar com a preposição “em”. Esse é o caso de nosso exemplo inicial, em que o advogado diz que a informação está presente nos autos do processo, por isso vamos retificar a frase:
Meritíssimo, essa informação já consta nos autos.
Outros exemplos:
A cópia dos certificados consta em meu currículo.
Essa palavra não consta no dicionário.
Seu nome não consta na lista de convidados.
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Informação: UFMA
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