segunda-feira, 9 de novembro de 2020

1. Pagar

Um verbo cuja regência deixa muita gente boa de calças curtas é “pagar”, que tem dupla regência. Observe o exemplo abaixo, que ilustra como a maioria das pessoas usa erradamente o verbo “pagar”, mas que, de tão comum, essa infração passa despercebida:

               — Meu Deus! Hoje é dia de pagar o colégio das crianças!

Quando alguém lhe disser isso, responda sarcasticamente:

               — Que legal! Eu não sabia que você havia entrado para o ramo da educação.

Explicando: o verbo “pagar” requer complemento sem a preposição A se se referir ao objeto que vai ser quitado. A preposição só é necessária quando seu complemento é o destinatário do pagamento.

               Você pagou o empréstimo? (o empréstimo = o que deve ser quitado)

               Você pagou ao empresário? (ao empresário = o destinatário do pagamento)

               Tenho de pagar ao banco hoje. (eu devo ao banco)

               Tenho de pagar o banco hoje. (virei banqueiro após ter comprado um banco)

               Você já pagou ao Bernardo? (Bernardo é o vigia do condomínio, a quem você deve remunerar)

            Você já pagou o Bernardo? (Bernardo é um escravo que você, barão do século dezoito, comprou para ele trabalhar na sua lavoura de cana)

               Você já pagou o mecânico? (errado)

               Você já pagou ao mecânico? (correto)

Quando a Princesa Isabel decretou o fim da escravidão, acabava-se naquele momento a possibilidade de uma pessoa pagar alguém, pois os seres humanos deixavam de ser tratados como mercadoria. Quando fizer referência a pessoas, o verbo pagar sempre deve ser usado com a preposição A.

               Pagarei Fernando amanhã. (errado)

               Pagarei a Fernando amanhã. (correto)

No exemplo inicial (— Meu Deus! Hoje é dia de pagar o colégio!), significa que o interlocutor adquiriu um estabelecimento de ensino e precisa quitar o débito contraído. Agora, se seu filho for aluno da instituição, e ele precisa efetuar o pagamento da mensalidade (pagar a mensalidade), então o colégio será o destinatário do pagamento, portanto requererá preposição.

               Meu Deus! Hoje é dia de pagar AO colégio das crianças!

No caso de transferências de jogadores entre clubes, o time adquirente tem primeiro de pagar o jogador (para o time cedente) e depois pagar ao jogador (mensalmente, uma vez que ele passará a ser funcionário do clube).

2. Constar

Como já mencionado em outra segunda-feira, os jargões profissionais se tornam lugares-comuns e, de tão arraigados na tradição linguística de seus usuários, fica difícil até de alertá-los. Entre esses jargões, vamos mencionar aqui um que infringe a regência do verbo "constar", muito comum na linguagem dos profissionais do Direito:

               Meritíssimo, essa informação já consta dos autos.

Quando o verbo constar está seguido da preposição DE, seu significado é ser composto de, constituir, consistir:

               A Câmara de Vereadores de São Paulo consta de 55 membros.

               A diretoria da associação consta de sete pessoas da comunidade.

               A Bacia Amazônica consta de um rio principal e doze afluentes.

Mas, se se deseja utilizar constar na acepção de "estar presente", o adjunto adverbial deve iniciar com a preposição “em”. Esse é o caso de nosso exemplo inicial, em que o advogado diz que a informação está presente nos autos do processo, por isso vamos retificar a frase:

               Meritíssimo, essa informação já consta nos autos.

Outros exemplos:

               A cópia dos certificados consta em meu currículo.

               Essa palavra não consta no dicionário.

               Seu nome não consta na lista de convidados.

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Informação: UFMA 

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