segunda-feira, 28 de março de 2022


Toda guerra produz efeitos deletérios e - além das perdas humanas, essas irreparáveis – outras, que se fazem sentir imediatamente, são as artístico- culturais. Por conta do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, artistas têm sofrido uma série de cancelamentos, causando perplexidade ao resto do mundo.

Primeiro, foi decidido que todos aqueles que de alguma forma declararam apoio – ou se mantiveram silentes acerca das atitudes de Putin – seriam os primeiros a serem banidos do palco, muitos dos quais com concertos e apresentações diversas já marcadas Europa afora. Até então, em certa medida, compreensível postura. Depois, artistas de outros países decidiram cancelar shows marcados em solo russo, a exemplo de Eric Clapton e da banda Green Day.

Foi a vez então de diversos artistas russos condenarem o que consideram um massacre sem precedentes, com a entrega de cargos, com a renúncia às subvenções estatais, com o protesto firme e em velocidade de rastilho de pólvora nas redes sociais. A esses, o próprio governo se encarregou de punir, promovendo uma perseguição implacável, que servisse de exemplo às vozes, porventura, discordantes.

Mas, como já era esperado, as reações se espraiaram e assumiram hoje proporções cuja dimensão ainda não se sabe avaliar precisamente. O Festival de Cannes declarou que não vai exibir obras russas e que não aceitará delegações vindas desse país. Grandes estúdios americanos também revelaram que não exibirão mais produções do país de Nabokov. Em Milão, vejam só: a Universidade Bicocca decidiu c ancelar um curso gratuito sobre Dostoiévski, pelo fato de ele ter nascido em Moscou, na Rússia.

A história tende a se repetir. Nos Estados Unidos, durante a época que se denominou macarthismo – por volta de 1950 até idos de 1957 - diversos produtores, atores, escritores e intelectuais ligados às diversas expressões artísticas foram perseguidos e censurados por estarem, supostamente, atrelados ao comunismo. Na segunda guerra mundial, os nazistas empregaram, em campo, estratégias de aniquilamento e, nas páginas de jornais, rádios e tvs, travaram uma longa e bem articulada guerra simbólica.

O dia 10 de maio de 1933 - quando milhares de livros foram reunidos em praças públicas e covardemente queimados, sob o pretexto de desviarem a juventude alemã de seus valores conservadores - foi inesquecível para a história dos que defendem arte e cultura. As pinturas passaram a exaltar valores que coincidiam com aqueles que sustentavam o Reich.

Sugiro alguns filmes interessantes para entender o contexto daquele período. A exemplo: “A menina que roubava livros”, que conta a história de uma garota em Munique que consegue sobreviver, graças ao ofício que intitula a película; e ainda “Caçadores de obras primas”, dirigido e também estrelado por George Clooney, que retrata o esforço de um grupo em recuperar obras de arte roubadas durante a segunda guerra mundial.

Estamos novamente diante de um cenário em que a cultura e a arte, tal como a literatura e o cinema, são as vítimas da insanidade de um governante, que solapa as expressões que nos diferenciam dos demais seres deste planeta.

Quantas obras geniais deixaram de ser fruídas, quantas canções não mais cantadas, e quantos enredos nem chegaram a ser contados. De certa forma, a morte da cultura naquele trecho do mundo, promovida por burocratas em seus gabinetes, é uma nota digna de lamento.

Este é um réquiem para uma vítima inocente além das incontáveis outras que já se foram, porque há uma espécie de apagamento antecipado do futuro desperdiçado nas mortes de hoje. Ainda não aprendemos a lição. Tendemos a nos repetir, deixando a arte, como marca da humanidade, com milhares de tesouros da cultura, descer pelos ralos da guerra que tantos talentos silenciam antes mesmo de se terem revelado.

Informação: UFMA 

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