domingo, 6 de agosto de 2023

Começando pelo fim

qual o jeito certo de começar uma história? seja pelo fim ou pelo início, o que importa mesmo são as lembranças do "durante".

Não era amor


Se era amor? Não era. Era outra coisa. Restou uma dor profunda, mas poética. Estou cega, ou quase isso: tenho uma visão embaraçada do que aconteceu. É algo que estimula minha autocomiseração. Uma inexistência que machucava, mas ninguém morreu. 

É um velório sem defunto. Eu era daquele homem, ele era meu, e não era amor, então era o que? Dizem que as pessoas se apaixonam pela sensação de estar amando, e não pelo amado. É uma possibilidade. (…) Parece o final de um amor, mas não era amor. Era algo recém-nascido em mim, ainda não batizado. E quando acabou, foi como se todas as janelas tivessem se fechado às três da tarde num dia de sol. 

Foi como se a praia ficasse vazia. Foi como um programa de televisão que sai do ar e ninguém desliga o aparelho, fica ali o barulho a madrugada inteira, o chiado, a falta de imagem, uma luz incômoda no escuro. Foi como estar isolada num país asiático, onde ninguém fala sua língua, onde ninguém o enxerga. 

Nunca me senti tão desamparada no meu desconhecimento. (…) Eu nunca amei aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois travessos. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.

O texto é da jornalista Martha Medeiros, que é reconhecida como uma das melhores cronistas brasileiras. Falando sobre diversas formas de relacionamento, ela diz que descobriu em si as vozes de várias mulheres.

• Ao descrever o que era ou não amor, a escritora compara o sentimento com situações cotidianas que nos proporcionam sensações sutis.

Seja uma janela fechada às três da tarde num dia de sol ou um programa de televisão que sai do ar e deixa ali o barulho do chiado a madrugada inteira, o amor não vai embora sem deixar marcas.

Mas o escuro só tem a capacidade de trazer um vazio pra quem já sentiu o conforto do claro. Da mesma forma, antes do chiado da televisão, um filme trouxe alegria pra família inteira.

Pensando por essa perspectiva, na ânsia de esquecer uma pessoa que partiu, será que vale a pena apagar todas as lembranças daquilo que um dia foi — ou não — amor?

• Talvez mais importante do que superar a “visão embaçada do que aconteceu”, seja garantir que ela ela não distorça a parte boa que ficou pra trás.

Afinal, se as pessoas realmente “se apaixonam pela sensação de estar amando”, toda essa travessura, sacanagem e amor não está no outro, mas dentro do coração de quem sentiu.

Finalizando com as palavras da própria autora, “faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade”.

Um agradecimento
(BASEADO EM UMA HISTÓRIA REAL)


É muito difícil começar a escrever sobre finais. Quando vamos contar uma história, geralmente, começamos pelo início: quando tudo ainda era mistério e quando todos ainda eram desconhecidos.

• A Danielle nem se lembra como conheceu o Vicente. Eles eram novos, inocentes, alegres e cheios de esperança.

Se esbarravam em alguns eventos, mas não eram melhores amigos. Não trocavam mensagens, mas sempre que se encontravam, passava-se horas e o assunto nunca acabava.

Eles conversavam sobre as bandas alternativas que os seus outros amigos não conheciam. Falavam sobre as histórias dos seus ídolos, sobre arte e até tinham discussões políticas.

Nessas horas intermináveis de diálogo, a Danielle e o Vicente não concordavam em tudo — mas tinham um jeito especial de discordar.

• Quando começaram a namorar, ela conheceu um Vicente diferente. Ele era sensível, divertido e apaixonante. É engraçado pensar nesse começo, né?

A Danielle ainda não conhecia a família do Vicente e nem ele a dela. Eles sabiam dos gostos em comum, mas não faziam ideia dos sonhos e frustrações que cada um carregava no coração.

Começaram de uma maneira leve, tão leve quanto ele. A Danielle diz que sempre admirou o Vicente porque ele tinha tudo que faltava nela.

De primeira, ela se encantou pelo seu jeito doce de levar a vida. Ele tocava vários instrumentos e, apesar de ser uma das pessoas mais inteligentes que ela já conheceu, ele era muito feliz.

Já reparou que quanto mais alguém sabe sobre o mundo, mais a pessoa se torna descrente da humanidade?

Com o Vicente, era o oposto. Mesmo já tendo lido uma infinidade de artigos sobre os assuntos mais variados possíveis, a sua curiosidade e capacidade de enxergar beleza na vida não cessava nunca.

• A Danielle lembra das conversas que eles tiveram enquanto ele fazia faculdade em São Francisco, e ela continuava em São Paulo.

Ela lembra de todas as viagens que fizeram juntos. De todos os perrengues que passaram, das brigas e das risadas. Já passou um tempo, mas ela lembra de tudo. Tudo mesmo.

Inclusive, lembra de quando eles começavam a se afastar e de como o acaso sempre dava um jeito de colocá-los juntos de novo.

Dessa vez, infelizmente, a vida resolveu colocar um ponto final nessa história. Ou talvez os dois tenham tomado essa decisão. Cada um do seu jeito e pelos seus motivos.

• Ou, quem sabe, é um até logo. Vai que a vida não dá mais uma virada do avesso para fazer o caminho deles se cruzar novamente?

A Danielle tem muito pra falar pro Vicente. Muitos arrependimentos, muitas memórias, muitas desculpas não ditas. Mas, de qualquer forma, ela prefere não se estender.

Em vez disso, escolheu terminar aqui dizendo um obrigada, simples e singelo. Um obrigada por ter tido a chance de viver um grande amor. Se não encontrar mais algum na sua vida, ela morrerá feliz por ter vivido esse.

Independente das partes não tão bonitas assim, a Danielle é eternamente grata por ter vivido 4 anos dessa história. Usando as palavras da Martha Medeiros, “se não era amor, era melhor”.

Fonte e imagens / The stories  / Reprodução 

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