segunda-feira, 2 de março de 2020

Por Antonio Noberto, Turismólogo / Escritor 

Estava eu, recluso em minha modesta condição literária, entretido aos mais variados afazeres domésticos, trocando fraldas e dando mingau à Alana, minha pimpolha de dois meses, quando recebi, uma provocação--intimação do estimado amigo e entrincheirado escritor Sousa dos Reis, através da sua coluna semanal. Lendo as primeiras linhas imaginei a princípio que o confrade Reis estava assistindo muito filme hollyhoodiano, daquele tipo Senhor dos Anéis, onde os protagonistas Frodo Bolseiro e Gandalf, o Cinzento, tentam defender o Condado contra as maldades do bruxo Saruman e da feiúra de Smeagol. À beira de perderem a batalha final, os aliados do bem pedem ajuda aos mortos, que tomam partido e salvam Frodo, o Condado e seus aliados. Imaginei, por conta disso, que Reis achava que eu tinha alguma amizade com os mortos, que falava com eles, batia papo, trocava fichinha e coisa e tal, mas refletindo melhor, percebi que não era bem por aí, pois se o fosse, ele primeiro procuraria seu amigo e compadre Bita do Barão – Sousa Reis é cidadão codoense, “com muito orgulho”. Foi lendo mais adiante que entendi a convocação do poeta: “Esperamos que providências urgentes e cabíveis sejam tomadas por quem de direito no sentido de que seja construído condignamente um túmulo para Maria Firmina dos Reis, cujo sepulcro, na afirmação do mestre turismólogo e escritor Antonio Noberto, deve se tornar uma das maiores atrações turísticas para a cidade de Guimarães.” Aí, sim, a ficha caiu. O mestre Reis tem razão, o túmulo de Maria Firmina um dia será atração turística de Guimarães (não falo com os mortos, mas isto é uma lúcida profecia), pois isto já acontece com muitos outros brasileiros ilustres. Foi isto que eu e Aline confirmamos nas muitas andanças país afora quando escrevíamos o primeiro livro sobre turismo nos cemitérios do Brasil. Não é somente nas capitais e grandes cidades do país que esta modalidade existe. 

Em São Borja o túmulo de Getúlio Vargas, João Goulart, Brizola, Gregório Fortunato e Aparício Mariense são atrativos turísticos dos mais expressivos, como também o de JK (Brasília), Airton Sena (São Paulo), Zacarias (Sete Lagoas), Tancredo Neves (São João Del Rey), Câmara Cascudo (Natal), dentre muitos outros. A maioria dos maranhenses não sabe, mas a sepultura de Aluísio Azevedo e de Sousândrade, no cemitério do Gavião, em São Luís, são sempre bem visitadas.

No exterior nem se fala, tudo acontece com a maior naturalidade, Evita Peron (Buenos Aires), Victor Hugo e Jim Morrisson (Paris), Bob Marley (Jamaica), Elvis Presley (Estados Unidos), e tantos outros, contribuem para atrair um turista de qualidade, que não degrada o ambiente, menos suscetível ao turismo sexual, dentre outras vantagens comparativas. Mas, voltando...

No texto, o indignado poeta, membro do IHGM, é curto e grosso, “pega geral” com o desrespeito e o descaso com os restos mortais e com memória de uma das mais destacadas maranhenses de todos os tempos, a autora do hino da abolição da escravatura no Brasil, Maria Firmina dos Reis (1825 – 1917). O túmulo dela, ou o que restou do mesmo, está em Guimarães, antiga Cumã, uma das mais antigas e importantes aldeias do Brasil setentrional setecentista.

Alguns blogs vimarenses destacaram a violação do túmulo da dama da abolição dando ênfase ao desrespeito à memória da autora do primeiro romance brasileiro anti-escravagista, Úrsula. O escritor Nascimento Morais Filho (também in memorian) foi o biógrafo de Maria Firmina, mas desta feita deixaremos o poeta Reis nos ensinar mais um pouco sobre tão corajosa e competente mulher maranhense.

“Vamos recordar aos esquecidos, um pouco quem foi esta guerreira maranhense. Maria Firmina dos Reis nasceu em São Luís do Maranhão em 11 de outubro de 1825, na Santa Casa de Misericórdia, teve por pais João Esteves (ele negro) e Leonor Felipa dos Reis (portuguesa) e viveu por algum tempo no bairro de São Pantaleão.

Embora tenha nascido em São Luís, Maria Firmina passou a maior parte de sua vida na cidade de Guimarães. Foi autodidata, principalmente por ter aprendido francês sozinha. Professora primária por quase toda a vida, profissão esta, que teve início quando fora aprovada em primeiro lugar em um concurso público estadual no ano de 1847 para mestra régia - isto é, professora concursada, e não leiga -, aposentou-se em 1881, porém, um ano antes da sua aposentadoria fundou a primeira escola mista no Maranhão.

Faleceu em 11 de novembro de 1917, aos 92 anos, cega e pobre. Iniciou sua carreira literária com o romance Úrsula (publicado sob o pseudônimo de “Uma Maranhense”) em 1859. Posteriormente, começou a colaborar com o Jornal A Imprensa (1860), principalmente com poesias e, em 1861, começa a publicar Gupeva no Jornal Jardim das Maranhenses. Entre 1863 e 1865, republica Gupeva nos jornais Porto Livre e Eco da Juventude, somados a tantos outros escritos, bem como, colaborou com os mais diversos jornais maranhenses. Outra faceta da primeira romancista brasileira é a de ser também compositora musical, tanto de músicas clássicas, somadas a lindas toadas do bumba-meu--boi maranhense. Seu grande biógrafo, o saudoso escritor e pesquisador José Nascimento Moraes Filho, lhe atribui na sua obra meritória: Maria Firmina dos Reis, Fragmento de uma Vida, a precedência feminina na cultura maranhense, no jornalismo, na poesia, no romance, no conto e até na música popular e erudita Eclética é a obra de Firmina.”

Eu e o poeta Sousa Reis já acertamos visita ao município de Guimarães para conversarmos com algumas autoridades locais com vistas a edificação de um túmulo digno e decente à nossa honrada poetisa. Outras iniciativas e providências, no entanto, se fazem necessárias, posto que não são poucos os túmulos de maranhenses ilustres, como Coxinho (compôs o hino cultural maranhense), Maria Aragão e tantos outros, que permanecem em ruínas. Sem falar aqueles fora do estado, como Nina Rodrigues, em Salvador, Humberto de Campos, Coelho Neto, e Catulo da Paixão Cearense no Rio de Janeiro.

O túmulo do caxiense Vespasiano Ramos, em Porto Velho, foi reformado pelo Governo do estado de Rondônia em 1984. O ideal é que apresentemos um projeto junto a SECMA visando a restauração dos túmulos destes que sempre serão atores de peso da rica história do Maranhão.

O papo está bom, mas tenho que preparar um mingau de mesocarpo de babaçu para a Alana, e se me atrasar nesse metier, aí vai ser aquele berreiro, meio mundo de confusão. 

A gente se vê!

Texto Originalmente publicado na Edição 84 abril de 2011 do Jornal Cazumbá
Imagens Ilustrativa/Internet

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