sábado, 14 de agosto de 2021

Compreendemos – a propósito da pandemia – que “não é o mais forte nem o mais inteligente que sobrevive e sim o que melhor se adapta”. A frase é de Charles Darwin, um gênio da ciência que a história registra e expressão da efeméride dos 190 anos do início de sua viagem de tantas descobertas (10 de fev. de 1831). Seus registros mudariam nossa compreensão sobre a vida na Terra.

Quando Charles Darwin partiu da Inglaterra, com 22 anos, em viagem a bordo do Beagle, começou sua volta ao mundo que durou quatro anos e nove meses. No percurso,Darwin fez um diário de 770 páginas e recolheu milhares de amostras de quase todos os continentes.  

A obra seminal fruto desta expedição científica é o livro “A origem das espécies” de 1859, a qual explica sua teoria da evolução, já completamente concebida por ele vinte anos antes. Em sua primeira edição, teve 1250 exemplares. Em poucas horas se esgotou, tal o interesse que despertou nas pessoas.

Quase sempre associamos as Ilhas Galápagos como a principal fonte de compreensão da teoria evolucionista, mas isso não seria possível sem a exploração de outros lugares por onde passou, como o Brasil. Na viagem de ida de sua circum-navegação, as primeiras paradas, sob o olhar agudo do cientista, foram as florestas brasileiras na Bahia e no Rio de Janeiro.

Nossa flora e fauna contribuíram para a compreensão mais abrangente da distribuição dos animais, de suas características únicas moldadas pelo ambiente onde habitavam. O Brasil celebrou os 200 anos do nascimento de Darwin (2009) em suas universidades e no Rio foi criado o circuito Caminhos de Darwin que mapeia doze lugares onde ele esteve em suas explorações.

Além dos muitos debates sobre a evolução, o gênio de Darwin e sua obra modelaram não só os aspectos que teorizam com explicações perspicazes a origem da vida, mas também nossa compreensão de nós mesmos e do lugar que ocupamos entre milhares de outras espécies.

Darwin foi tão importante para a forma com que o ser humano se reconhece que inspirou, anos mais tarde, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, a cunhar o termo “ferida narcísica”, expressão que se referia ao orgulho humano em sua compreensão de si mesmo no cosmo atacada pelas descobertas científicas que ele elencou em três pontos.

Na classificação freudiana, a primeira ferida narcísica foi o postulado de Nicolau Copérnico, o Heliocentrismo, em contraposição ao Geocentrismo que vigorava desde Ptolomeu e era apoiado pelo cristianismo da Igreja Católica que julgou, por esta razão, Galileu, condenado àprisão domiciliar, por afirmar que o sol era o centro do mundo. Mas, em 1992, o Papa João Paulo II reconheceu obrilhantismo de Galileu.

A segunda ferida narcísica foi a teoria da Evolução, já mencionada, criada por Charles Darwin, que se opunha à ideia vigente de uma natureza criada. Todos os seres vivos seriam originários de um organismo primitivo e a seleção natural fez o trabalho final. Por fim, a terceira ferida narcísica seria a descoberta do inconsciente, da autoria do próprio Freud. Cada evento desconstruiu ideias arraigadas, aceitas tacitamente por teorias como a ptolomaica e interpretações literais ou equivocadas da Bíblia,referendadas pelo cristianismo da época.

O homem, afinal, estava num planeta periférico, sofreu o mesmo processo pelo qual passou qualquer ser vivo, evoluiu e, por fim, não é “senhor em sua própria casa”, como afirmou Freud, mas submetido a forças que não controla e pouco entende. Essas ideias tão antigas voltam a ser comentadas. 

E agora, nosso orgulho de supremacia parece se esfarelar diante de um vírus invisível a olho nu que nos iguala e nos coloca numa posição submissa. Vítimas de nossas certezas, que aprendamos por que a supremacia humana não se sustenta na pandemia que obriga todos a esconderem o rosto, por meio de um mascaramento, desta vez, concreto, posto que material. 

Natalino Salgado Filho

Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.


Informação: UFMA 

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