quinta-feira, 2 de maio de 2019
Este é um território inesperado, de tirar o fôlego. As águas, os relevos e as visões da Chapada das Mesas, no estado do Maranhão, deixam sem palavras qualquer visitante.

Por Eduardo Vessoni


Este até poderia ser mais um texto sobre algum destino brasileiro famoso, daqueles com praias de águas azuladas e espreguiçadeiras estendidas em longas faixas de areia, bem na porta do hotel. Mas nesta região isolada do Nordeste não há estabelecimentos de luxo, bares pé na areia, nem sequer restaurantes de chefs estrelados. E ninguém se importa com isso. Localizada no sudoeste do Maranhão, a 850 km da capital, São Luís, e próxima da fronteira com o estado do Tocantins, a Chapada das Mesas é uma extensa área protegida, onde emergem 400 nascentes, correm 22 rios e caem cerca de 89 cachoeiras, entre tantas outras quedas de água ainda não catalogadas ou abertas ao público. Não à toa, é conhecida também como Paraíso das Águas.

O destino abrange dez municípios, entre eles Imperatriz e Riachão. Mas a porta de entrada é a pacata Carolina, cidade com menos de 24 mil habitantes e principal base para quem visita a chapada. Falta gente, mas sobram atrativos naturais. O maior deles é o Parque Nacional da Chapada das Mesas, cujo nome é uma referência aos planaltos de cume em forma de mesa que brotam em imensos campos verdes a perder de vista. O acesso é apenas em carros 4x4 que riscam caminhos estreitos de areia fofa e terreno irregular que se altera com a passagem dos raros automóveis que cruzam esta unidade de conservação.

Absorvente


Criada em 2005, a Chapada das Mesas é um dos parques nacionais mais novos do Brasil, uma área de 160 mil hectares aproximadamente, em que se encontram três biomas numa área de transição entre o cerrado, a caatinga e a Amazônia. Caminha-se entre paredões areníticos milenares que se elevam sobre uma savana brasileira em flirt com florestas amazônicas. No entanto, o que impressiona mesmo é a potência das águas que caem no interior desse parque a pouco mais de 80 quilômetros de Carolina. Divisor natural entre as cidades de Estreito e Carolina, o rio Farinha garante o espetáculo das duas únicas atrações do local abertas ao público.

Do alto, por baixo ou por de trás de seu véu, todos os caminhos levam à Cachoeira de São Romão, considerada a maior em volume de água. Aos pés dessa queda de 25 metros de altura, uma enorme piscina natural permite banhos em águas calmas e prática de caiaque. Mas a experiência mais impactante por ali ainda é a caminhada até uma caverna na parte posterior da cachoeira, que serve como refúgio de andorinhões do cerrado. Não muito longe, a outra atração é o Prata, uma sequência de cachoeiras de até 18 metros que escorrem por paredões rochosos, antes de desaguarem no rio Farinha. A ambas as cachoeiras se chega por trilhas curtas e com baixo nível de dificuldade, a partir das sedes das áreas privativas em que se encontram as atrações, onde também é possível fazer refeições com pratos encomendados, previamente, como tambaqui, carne de sol ou galinha caipira.


Viajar pela Chapada das Mesas é fazer turismo silencioso, quebrado apenas pelo som forte de cachoeiras potentes que chegam a cair a mais 46 metros. Por ali, nada de turismo de massa. E se a viagem acontecer durante a semana, ainda se corre o prazeroso risco de ser-se o único por aquelas bandas. Nós, o nosso guia e uma chapada inteira à disposição. Para ver tudo aquilo do alto, a regra é subir.

Já na área externa do parque, o Portal da Chapada é outro clássico do destino, onde uma trilha exigente de areia, com quase 300 metros, leva o visitante até uma fenda rochosa que fica num mirante com vista panorâmica de um imenso tapete verde que abriga o Morro do Chapéu, o ponto mais alto da região, com 365 metros. Se ainda tinha dúvidas sobre o talento cénico da Chapada das Mesas, programe-se para ver o pôr do sol lá do alto. Mas o turismo na Chapada das Mesas fez-se muito além dos limites do parque e acontece em empreendimentos particulares bem estruturados.

Ver para crer


Demora um pouco para compreender o que se vê na parada seguinte. Sobretudo quando o próximo endereço tem acesso por um corredor de rochas esculpidas por quedas de água que escorrem por paredões que levam a um salão natural que fica dentro de um cânion, onde outra cachoeira se exibe desde a época em que o local servia para rituais sagrados dos índios Timbira.

A Pedra Caída é extraordinária. Não que todo o destino não seja capaz de surpreender a cada curva de estrada de terra, mas este lugar exagerou no cenário. Ao longo de mais de 13 mil hectares, tem 23 rios, 25 cachoeiras e um cardápio de atividades que inclui descida em tirolesas, cânions, cavernas e trilhas bem pensadas. É turismo de aventura familiar para todos os níveis de adrenalina. E é uma espécie de clube, com hotel e tudo. Mas são as caminhadas a pontos escondidos que fizeram da atração uma das mais procuradas. Passarelas de madeira cruzam florestas fechadas até cachoeiras que despencam dentro de cavernas, como, precisamente, a da Caverna, cuja trilha molhada leva até um poço formado por uma queda de 12 metros. Seria apenas mais uma opção de visita, entre tantas nessa chapada, não fosse o Santuário, onde o sagrado tem acesso por um rio, num cânion de dois mil metros de extensão. Ao final, à direita, um salão natural recebe as águas agitadas de uma cachoeira de 46 metros, cujo topo é constantemente visitado por andorinhões que também parecem não acreditar no que veem. E pode-se chorar, dar um grito de libertação ou ficar ali por horas observando um dos cenários mais impressionantes da Chapada. Os guias já estão acostumados com as reações que o local costuma causar em visitantes.

Para ver a potência cênica (e emocional) de Pedra Caída, o complexo conta também com teleféricos que deixam os visitantes no ponto mais alto, de onde é possível voltar em duas opções de tirolesas, de 1200 e 1400 metros de extensão.

E ainda

Se o Nordeste brasileiro fez de suas praias a imagem mais conhecida, a Chapada das Mesas soube tirar bom proveito de suas águas doces de tons cristalinos e temperatura agradável. São tantas e tão lindas que, na falta de uma, certos atrativos têm duas.

A 30 quilômetros de Carolina, as Cachoeiras Gémeas são duas quedas paralelas de dez metros sobre uma pequena praia com bancos de areia em águas correntes que passam nos fundos de uma propriedade particular. Conhecido também como Cachoeiras de Itapecuru, o local é equipado com caiaque para aluguer, restaurante com vista e espaço para descanso sob uma tenda.

Outro clássico são os poços naturais de águas azuladas que se ocultam entre a mata fechada, como o Encanto Azul e o Poço Azul, na cidade de Riachão. É no Poço Azul que fica uma das cachoeiras mais altas, a impressionante Santa Bárbara, com 76 metros. Faltam também adjetivos para descrever os finais de tarde em braços escondidos de rio e poços anis que se fundem nas florestas densas mas de fácil acesso.

O rio Tocantins é um divisor natural entre Carolina, no Maranhão, e Filadélfia, no Tocantins, e é ali onde o pôr do sol também é atração. É do cais ao lado do restaurante Chega Mais, no centro de Carolina, que partem os barcos rápidos que riscam as águas desse rio de mais de dois mil quilômetros, considerado o segundo maior curso de água em terras brasileiras (o primeiro é o Amazonas, claro). A viagem segue sem novidades, com mangues e florestas alagadas em suas margens, até à Pedra Encantada, cujo nome dispensa explicações. Localizada a 22 quilômetros de Carolina, rio adentro, esta formação natural desponta numa área de alagamento do Tocantins, que surgiu com a construção de uma hidroelétrica. Foi-se o curso natural do rio, mas ficou uma imensa piscina, entre planaltos e florestas, num dos pontos mais lindos para observação do pôr do sol.

Toda a Chapada das Mesas é um dos endereços mais exclusivos deste Brasil interior de águas abundantes e cenários brutos.

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